História
Cultura afro em Pelotas ganha espaço na Bibliotheca Pública Pelotense
Acervo, que homenageia a primeira doadora, a Ialorixá Marlene Carvalho será oficializado nesta terça-feira
Jô Folha - DP - Instituição tem criado propostas para valorizar a formação cultural do Município
Nesta terça-feira (13) a Bibliotheca Pública Pelotense inaugura o Espaço Cultural Afro Marlene Carvalho, junto ao Museu Histórico da BPP. A iniciativa se propõe a abordar a contribuição africana e afro-brasileira na formação cultural de Pelotas. A cerimônia, que ocorre às 15h, ainda integra a programação da 8ª Procissão ao Pai Bará do Município de Pelotas.
Juliano Silva, o babalorixá Juliano de Oxum, neto da homenageada Marlene Carvalho, conta que a proposta de criar um espaço afro surgiu a partir de conversas com a museóloga Janaina Vergas Rangel, da BPP. "Pelotas não tem um espaço exclusivo da cultura afro, da cultura de matriz africana e religiosidade", comenta.
A intenção de criar algo semelhante na Bibliotheca vem de algum tempo, explica Janaina. BPP tem se dedicado a abrir espaços para abordar a formação da Região Sul e Pelotas e agora chegou a vez de abordar a contribuição negra. "Nós começamos falando dos povos indígenas e depois sobre o multiculturalismo da cidade, onde entram os franceses, por exemplo, mas não tínhamos acervo que remetesse à cultura africana", explica.
Juliano de Oxum então ofereceu um acervo de família, oriundo da sua avó, a Ialorixá Marlene de Iansã, 87, como marco inicial da proposta. A partir desse material foi aberto um espaço físico permanente e interativo no subsolo da Bibliotheca. "Foi o primeiro acervo doado, ela tem uma história também dentro da religiosidade e é um acervo que representa muito dentro dessa cultura. Ela começou essa coleção, então não poderíamos deixar de homenageá-la. E por mais que tenha o nome de uma pessoa esse espaço visa representar toda a comunidade", fala a museóloga.
Marlene se iniciou no batuque em 1943, em Porto Alegre. Seu neto conta que era uma época difícil de violência e preconceito contra quem praticava as religiões afro. "Não foi fácil, muitas das vezes a polícia batia na porta para parar o tambor. Mas o que ficou sempre foi o ensinamento e tudo que eu sou eu agradeço a minha avó", fala Juliano.
O culto das religiões de matriz africana está na família de Juliano desde a tataravó. "Na nossa família sempre alguém tem que ficar dando seguimento a essa cultura ancestral. Hoje tem o meu filho que é meu herdeiro espiritual e a gente vai passando essa sabedoria: da benzedura, do banho de descarga, como macerar uma erva, como servir um orixá."
Aberto à contribuições
A ideia é que a comunidade possa contribuir com a construção do acervo, que além de um local físico, também terá uma página no site da Bibliotheca, a qual as pessoas poderão contribuir com imagens digitais, por exemplo. "Às vezes as pessoas têm fotografias em casa, de família, dos clubes negros, que poderão ser doados por meio de imagens digitalizadas. Pode ser também um texto ou um vídeo", fala a museóloga.
Janaina comenta que a história do negro na Zona Sul é predominantemente contada pelo viés do escravizado. "Se fala do sofrimento do escravizado, mas não se fala da contribuição tecnológica do povo africano na cidade, todos esses elementos, objetos contam um pouco da contribuição negra, a gente sai um pouco dessa esfera do escravizado e passa a ter o negro também como protagonista, principalmente a contribuição da mulher negra. Tudo isso queremos trazer para mostrar neste espaço", fala.
Segundo a museóloga, as pessoas que quiserem contribuir são muito bem-vindas. Além da contribuição de Marlene Carvalho o acervo contou com a contribuição e o apoio de: Eva Santos, do Las Tramas; José Darcy Ribeiro; Projeto Poevivências; Matoso; Helô Martins; Miriam Helem; Simone Lua e Patrícia Fernandes. Interessados em colaborar ou doar acervo para o espaço podem entrar em contato pelo 53 3222.3856 ou pelo e-mail: [email protected]
"Esse é um espaço único, acredito que seja um dos primeiros da cidade que seja feito pela comunidade. Cedemos esse espaço de representação", diz Janaina. A ideia é que essa coleção também seja trabalhada por escolas, uma forma de potencializar a Lei 10.639 de 2003. "Queremos que as escolas também participem desse projeto", fala a museóloga.
Luta pelo reconhecimento
Toda a programação desta terça-feira, dia 13, marca o primeiro ano da procissão do Dia do Bará como uma ação do Calendário Oficial de Eventos do Município de Pelotas, a partir de projeto de Lei referendado em outubro de 2021. Porém a procissão ao Mercado Central teve início em 2015, mas envolta em desconfiança e preconceito, segundo Juliano. "No primeiro ano levamos o sincretismo pra rua, com a imagem de Santo Antônio."
O orixá Bará é considerado o senhor dos mercados, da moeda de troca, das chaves, é o que faz a comunicação entre os seres humanos e os deuses africanos. Todas as encruzilhadas, principalmente dos mercados públicos, são referendadas a este orixá. "Sem ele nada acontece, ele que abre tudo."
Antes mesmo de integrar o calendário de eventos do Município, a presença do orixá como um protetor do Mercado Central foi marcada com a criação e instalação de uma imagem adesivada na encruzilhada do prédio histórico, em 1º de julho 2021. No dia 8 de dezembro do mesmo ano foi descerrada uma placa também no Mercado Central, que marca a gestão do Conselho Municipal de Ponto de Terreiro e garantiu a permanência daquele adesivo.
Também foi criado, posteriormente, um postal turístico que conta a história do adesivo. "Mas a gente não poderia parar por aí. Como nunca desisti do Mercado, pedi apoio à Universidade Federal de Pelotas ao projeto de Extensão Terra de Santo para que a gente fizesse o endosso de tombamento, reconhecimento do livro de saberes, histórias do povo de matriz africana. Então enviamos um dossiê pedindo o tombamento do espaço Bará do Mercado de Pelotas, enviado para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) e também à Secretaria de Estado da Cultura, no dia 16 de maio. Tendo em vista que em 12 de maio completou um ano da Lei 7025, que cria o dia do Orixá Bará no Município", conta o babalorixá.
Por este motivo, a procissão deste ano receberá uma comissão técnica do Iphae, além de representantes do Iphan, que vai fazer também a entrega do mapeamento dos terreiros. Segundo Juliano são 13 terreiros que entraram neste mapeamento representando a religiosidade de Pelotas. Também virão representantes da Coordenadoria da Igualdade Étnica e Racial, da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado, do Conselho Estadual da Comunidade Negra (Codene) e da Secretaria de Estado da Cultura.
"É um momento importante, que endossa esse trabalho, que tem buscado esse reconhecimento a esse espaço, tendo vista que Pelotas se tornou a primeira cidade do país a ter um dia referendado a esta entidade." A programação da festividade se inicia às 9h com campanha solidária de arrecadação de alimentos e agasalhos, no pátio Mestra Griô Sirley Amaro, no Mercado Central. Organização é do Ilê Axé Reino de Oxum Pandá e Xapanã Jubetei
Programação
9h - Campanha solidária de arrecadação de alimentos e agasalhos, no Mercado Central
15h - Inauguração do Espaço Cultural Afro Marlene Carvalho, na Bibliotheca Pública Pelotense
16h às 18h30min - Cerimônia de entrega dos certificados do Iphan às Casas de Religião de Matriz Africana
18h30min - saída da procissão, da rua Andrade Neves esquina Marechal Floriano, em direção ao Mercado Central
19h - apresentação do grupo Afropel Caoju
19h10 - Lançamento da 2ª edição do Cartão Postal Turístico do Adesivo demarcatório das Religiões de Matriz Africana e Afrodiaspórica em reverência ao orixá Bará
19h30min - Fala das autoridades
20h - Encerramento com entrega de homenagens
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