Educação
Ong é oportunidade para quem quer ingressar na universidade
Eu Que Lute, que tem proporcionado intensivo preparatório para o Enem de forma gratuita, investe agora no estímulo à produção literária com um festival
Carlos Queiroz - DP - Aulas presenciais acontecem na Faculdade Senac, de quarta a sexta-feira
De uma conversa informal, na praça Coronel Pedro Osório, entre dois amigos professores que sonhavam em ajudar jovens oriundos de famílias de baixa renda a conquistarem a tão sonhada vaga da universidade até a realização do primeiro Festival Literário Festina Lente, da Ong Eu Que Lute, passaram-se apenas três anos. Rapidamente a ideia, que hoje eles qualificam como ingênua, ganhou apoio e, além de apresentar seus frutos, começa a mobilizar a sociedade através setor cultural.
"Na nossa cabeça, no dia 3 de fevereiro de 2020, pensamos: 'vamos ajudar'. Eu ajudava um aluno e ele (o professor Rômulo Diel) outro, depois a gente trocaria os alunos, eu com a química e ele com o português. Mas a internet é maravilhosa, tem um poder gigantesco. Por isso eu falo que foi ingenuidade da nossa parte, porque no momento que nós falamos na internet sobre as aulas, outros educadores nos procuraram para ver como eles também poderiam fazer isso", relembra a fundadora do projeto social Eu Que Lute, Ísis Toralles.
O resultado foi que no primeiro ano de aulas eles trabalharam com dez educadores. Neste período, dois voluntários tentaram via Prefeitura, através do Pacto Pela Paz, apoio para conseguir um local para as aulas. Porém com o início da pandemia, essa perspectiva mudou.
De novo a tecnologia ajudou ao projeto e através de um aplicativo eles começaram a desenvolver as aulas de forma virtual, no turno da noite. Foi um período desafiador, de muito aprendizado e experimentação. "A gente ainda estava tentando entender como era a logística dos educadores e a dinâmica de tudo acontecendo na prática", conta Ísis.
Uma das vantagens do on-line foi ter aberto a possibilidade de trazer educadores de fora de Pelotas e em 2021 o Eu Que Lute deixou mais plural o seu processo educativo. No ano passado, com o cenário pandêmico amenizado, abriu-se novamente a possibilidade de ter as aulas presenciais também. O que aconteceu no segundo semestre de 2022. "Como educadora as propostas de aulas virtuais e presenciais são muito diferentes e a gente estava com saudade dessa troca, do olho no olho, então fizemos essa transição."
Outras mudanças
Além da retomada do plano inicial de aulas presenciais, o projeto passou por outra mudança. Neste caso foi de formato, trocando a programação na qual o curso tinha nove meses para um intensivo semestral. Na prática, por ser gratuito e voluntário, há uma evasão de alunos e de professores. "Para conseguir consolidar equipe e alunos pensamos em fazer semestral. A gente conseguiu melhorar muito em termos de evasão", explica Ísis.
Atualmente as aulas presenciais ocorrem de quarta a sexta-feira, das 14h às 17h, na Faculdade Senac, parceira da Ong, via Pacto Pela Paz. De segunda a sexta, à noite são desenvolvidas as aulas noturnas, de forma virtual. E agora, com o período de inscrições para novas turmas, aberto até o dia 30 deste mês, a expectativa é que seja necessária a formação de mais uma turma presencial. "Sem nem precisar patrocinar nada no Instagram, só dessa visibilidade espontânea que o Eu Que Lute tem conseguido", fala Ísis.
Seguindo essa fase de crescimento, o projeto social passou a ser intitulado uma Ong (Comunidade Educacional Eu Que Lute) este ano e está em busca de segurança jurídica para se manter assim. "Não somos um cursinho pré-vestibular, porque o trabalho que os mais de 30 educadores fazem vai muito além do Enem. O Enem é o coadjuvante, o nosso trabalho é chegar até esse aluno em vulnerabilidade social, dentro do que está nas nossas mãos, fazendo com que a educação se ressignifique dentro deles. No sentido dele (o aluno) entender que a educação é o caminho para ele subir degraus mais altos, ir em luta do que quer."
A sociabilidade e o acolhimento são alguns dos focos deste trabalho. "A gente acaba utilizando a Ong para falar de temas transversais. Já levamos palestrantes para falar sobre sexualidade, a importância da leitura, violência contra a mulher e demandas que eles solicitam. Como se o Enem fosse o fio condutor, mas a dimensão do trabalho é maior", diz a professora Camila Braga, responsável também pela comunicação da entidade.
Camila comenta que foi surpreendida pelo acolhimento que o próprio projeto teve da comunidade pelotense. "Teve coisas que a gente nem foi correr atrás, vieram a nós para saber e divulgar."
Para organizar o trabalho foi preciso criar segmentos, atualmente são dez, com seus próprios coordenadores. "Não é só a coordenação pedagógica que vai ter esse olhar para o ensino, fazer essa trilha do início ao fim com os alunos e educadores, fazendo esse fio condutor", diz Ísis.
Porém para chegar na Ong é preciso passar por um processo de seleção, porque são poucas vagas para uma grande demanda. A ideia não é excluir, mas de fazer uma reflexão junto com o candidato, para que ele mesmo avalie se aquele trabalho vai realmente ser útil. Neste semestre a turma presencial acolheu estudantes com idades que variam dos 17 aos 29 anos. Para a próxima temporada a expectativa é chamar a atenção também de quem tem mais de 30 anos, que pode utilizar o serviço de forma virtual, por exemplo.
"A gente conversa, queremos saber se ele vai ter o compromisso de estar lá das 14h às 17h, de quarta a sexta-feira. O aluno que fica conosco é um aluno que está afim. Para o educador é um paraíso e nos dá a liberdade de trabalhar com mais de um educador sobre um mesmo tema", comenta a fundadora.
Recentemente o projeto ganhou o apoio do Sebrae, o que trouxe mais força ao trabalho. "Às vezes eu me sinto uma iniciante no mercado de trabalho, porque vem o pessoal do Sebrae cheio de ideias bacanas, vão nos dando dicas. A ideia do Festival Literário acontecer durante a Feira do Livro veio numa reunião com o Sebrae. A gente sabe do nosso potencial, mas ter pessoas que também gostam de trabalhar junto é maravilhoso", diz Ísis.
Acolhimento é elogiado
Com vivências diferentes, os alunos da turma presencial da Ong têm encontrado no projeto mais do que uma oportunidade de se prepararem para o Enem. Para eles o intensivo tem sido um momento de aprendizado em diferentes níveis, mas também de socialização. A atenção que recebem e o acolhimento são destacados.
Eduarda Torres de Souza, 18, conheceu o projeto através da Camila Braga, que era professora da jovem no Ensino Médio. "Eu tentei entrar em Psicologia no ano passado e não consegui e daí ela comentou que eu poderia entrar na Ong."
Duda confessa que esperava um ritmo de escola nas aulas, mas quando chegou viu que era diferente e, apesar de achar divertido, chegou a sentir medo de não conseguir acompanhar. "Aqui todos os assuntos são interdisciplinares e vai voando a conversa, a gente tira uma dúvida e outra. Eles mais nos incentivam a querer aprender do que nos dão matéria direto, mas ao mesmo tempo eles nos fazem enxergar as matérias no nosso dia a dia", elogia.
Por sua vez Helena Ferreira Ziebell, 18, que quer ingressar no curso de Biotecnologia, diz que acha a concepção da proposta muito acolhedora e que tem aprendido mais nos últimos meses do que em três anos de Ensino Médio. "Eu gosto dos colegas, dos professores, da matéria. Eu me sinto muito bem aqui. É a melhor parte da semana", fala a aluna que sugeriu o tema gerador do Festival Literário.
Lara Terres, 18, chegou na Ong depois de uma palestra no aulão do Enem, que aconteceu no Colégio Pelotense. A forma como as aulas são conduzidas chama a atenção da jovem. "Aqui a gente tem muito debate sobre os temas, o que faz a gente não esquecer."
Monitora da turma, a estudante de psicologia Caroline Rodrigues Lopes, 29. Formada em Técnica Agrícola, Carol conta que não se identificava com a formação e acabou desistindo de seguir estudando. No ano passado, a partir de uma série de acontecimentos que mudaram o rumo da vida dela, Carolina resolveu apostar na educação novamente. "Foi quando eu fiquei sabendo que teria que fazer hemodiálise, terminei um relacionamento de sete ano e fui demitida, tudo no mesmo mês", relembra.
Quando ela viu no Instagram o perfil da Ong percebeu na iniciativa um estímulo para fazer o Enem. "Quando começaram as aulas eu comecei a me encantar. E teve um professor que me abriu os olhos pela psicologia. Ele fez eu me encantar pela psicologia de uma forma que eu nunca tive tanta certeza do curso que eu queria."
Carol não chegou a fazer o Enem, mas conseguiu ingressar em uma faculdade particular. De volta ao intensivo da Ong, se prepara para conquistar uma bolsa de 100%. Com a experiência e a maturidade foi convidada para ser a monitora da turma. "Eu topei e não pretendo sair da Ong, quero continuar esse vínculo com a Ong, me ressignificou de muita coisa. O Eu Que Lute foi uma virada e chave na minha vida, foi muito importante."
Aos 21 anos, Marcelo Stone também quer ser psicólogo, por isso buscou ajuda no projeto. Com TDH, o estudante encontrou no intensivo, que proporciona um contato mais próximo com os professores, o auxílio que precisava aprender mais. "Eles entenderam completamente e conseguiram adaptar para mim. O acolhimento daqui é muito grande", diz.
Olhar para o outro
O primeiro Festival Literário Festina Lente, destinado a jovens do ensino médio das redes pública e privada, além de alunos e ex-alunos da Ong, aceita obras dentro dos gêneros textuais conto, crônica e poema, sob o tema gerador Como eu me sinto em relação aos outros? O evento tem o apoio da Prefeitura através do Pacto Pelotas pela Paz, Sebrae-RS, Feira do Livro de Pelotas, Livraria Vanguarda e Faculdade Senac de Pelotas. As inscrições estão abertas até o dia 30 deste mês pelo Instagram https://www.instagram.com/ongeuquelute/, local onde também se encontra o edital.
O nome Festina Lente homenageia o avô de Ísis, o professor, bancário e poeta Jonatas Toralles. Segundo a professora, Festina Lente era o pseudônimo utilizado por ele nas suas publicações literárias. As inscrições estão abertas até o dia 30 deste mês pelo Instagram https://www.instagram.com/ongeuquelute/, local onde também se encontra o edital.
Além de estimular jovens à produção literária, a atividade tem como intuito promover o desenvolvimento cultural e criativo dos estudantes e revelar novos potenciais no cenário da escrita em Pelotas, bem como promover a socialização dos membros do sistema educacional pelotense. "É para incentivar os alunos de Pelotas a escrever. A gente passa por alunos com muito potencial", diz Ísis.
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