Patrimônio
Piano do Sete de Abril está a caminho de casa
O Essenfelder, de 1947, foi todo restaurado por Rogério Resende e equipe durante 15 meses
Caio Passos - Especial DP - Com uso de máquina, restaurador conduz sozinho o pesado instrumento
A partir da próxima segunda-feira (16), o piano de concerto Essenfelder, de 1947, do Theatro Sete de Abril estará de volta ao centenário teatro. O restauro total é um trabalho precioso do pianista e restaurador Rogério Resende, que se dedicou a este trabalho nos últimos 15 meses. Uma tarefa que “traz à vida” esse delicado instrumento que agora retoma suas características e potencialidades, como nos velhos tempos.
O próprio Resende vai conduzir o instrumento até Pelotas, em uma van. A jornada começa nesta quinta-feira (12), às 5h, e a chegada está programada para domingo. “É longe, tem que andar um bocado e eu só viajo durante o dia”, conta. A tecnologia é que proporciona que um único homem traga e entregue o piano de 620 quilos e 2,75 metros ao seu local de origem.
Isto porque o instrumento vai sobre um aparelho criado para esse tipo de transporte. O Piano Lift, além de suportar todo o peso, ainda o conduz a qualquer ambiente. “Ele transporta o piano, sobe degraus, rampas fazendo com que sozinho eu possa entregar um piano de cauda inteira como esse”, explica o restaurador.
Resende, que é pelotense radicado em Brasília há quase 50 anos, vai fazer a viagem ao lado da mulher Alda, também natural do município. Próximo a Capital Federal ele desenvolveu a já tradicional Casa do Piano, uma empresa familiar criada há 40 anos que atua no restauro, afinação, manutenção e recriação de pianos. Nela trabalham ainda a filha do restaurador e mais dois funcionários, casualmente, pai e filho.
Sonho antigo
Restaurar o piano do Sete de Abril era um antigo sonho de Resende, mas que por um motivo ou outro era adiado. O restaurador confessa que se preocupava com o delicado instrumento que estava fora de uso há muito tempo, segundo ele. Foi em setembro de 2021, quando esteve em Pelotas para outra entrega, que o pelotense conseguiu conversar com a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), por meio de contato feito pelo então assessor especial de Relações Institucionais, Henrique Pires, e acertar o trabalho.
Resende se prontificou a fazer o restauro. “A iniciativa foi minha e do Henrique Pires, importantíssimo nesse processo. Nós conversávamos há anos sobre este piano. E culminou com a prefeita Paula que recebeu a proposta muito rapidamente, ela teve uma atitude muito decisiva nesse sentido de preservação”, conta.
Material importado
O piano estava em estado precário, segundo Resende. Uma das patologias mais preocupantes era um foco de cupins. Entre as peças que foram substituídas estão as cordas, fabricadas por ele mesmo, feltros, rodas e martelos. A parte estrutural foi reformulada, mas se manteve a original. “Mantivemos tudo o que foi possível.”
O material substituído foi importado da Alemanha e neste ponto, Resende diz que não era preciosismo e sim necessidade. Isto porque a fábrica Essenfelder importava todo o material, com a exceção da madeira para a estrutura. “Não poderíamos fazer uma restauração não obedecendo este critério, para que o instrumento pudesse render tudo o que é possível render, na melhor condição”, conta.
O Essenfelder do Sete de Abril foi feito para ecoar pleno e soberano em um teatro. O restaurador explica que cada marca de piano de concerto tem uma identidade, com sonoridades diferentes. “Por isso não se deve dizer que tal piano é melhor do que outro. O que importa é saber se aquela qualidade sonora agrada ao comprador ou ao pianista. Este tem graves extremamente fortes e profundos, médios e agudos cristalinos, bem identificados e um volume geral muito bom. Ele é aveludado, profundo e sonoro”, explica.
Resende ainda comenta que a Essenfelder foi a única empresa brasileira que fabricou piano de cauda inteira. “Pianos que pudessem concorrer, em salas de concertos, com os europeus, asiáticos, austríacos, que sempre foram reconhecidos mundialmente. Até a década de 60 a Essenfelder bateu de frente com os outros pianos todos”, argumenta.
Fechando com chave de ouro
Reconhecido por seu trabalho impecável, Resende executou restauros semelhantes para embaixadas dos Estados Unidos, França e Portugal e para a ONU entre outras instituições e entidades. A cada piano de cauda dedica em média de 12 a 16 meses de trabalho ininterrupto. Por este motivo o do Sete de Abril será o último que o restaurador e afinador vai consertar. “É uma tarefa árdua, vou parar de fazer restauração de piano de cauda inteira, os outros são bem diferentes. Mas vou encerrar essa fase com chave de ouro”, conta.
Apesar da despedida, Resende se diz muito feliz com o desfecho dessa parte da carreira. “Esta restauração é a mais importante da minha vida, porque é da minha cidade e do espaço mais importante da arte da minha cidade. Tenho raízes profundas aí, minha família e da minha mulher são daí, minha filha nasceu aí.”
O diretor do Sete de Abril, Giorgio Ronna, antecipa que o piano vai ficar no palco e que vai ser utilizado para os ensaios do Festival Internacional Sesc de Música que começa na segunda-feira. “O piano é uma máquina de realizar sonhos, meu desejo mais profundo é que ele embale os sonhos dos pianistas e do público que vai ouví-lo”, diz Resende.
Documentário e livro
A fábrica Essenfelder nasceu em Pelotas em 1904, criada por Floriano Essenfelder, mas mudou-se para Curitiba em 1909, conta o jornalista e escritor Klécio Santos, que prepara uma nova edição, revista e ampliada do livro Sete de Abril - O teatro do Imperador.
Junto com a nova obra, que deve chegar ao público ainda este ano, Santos vai lançar um documentário registrando todo o processo de restauro do piano. A intenção é que o audiovisual, da Movie up, seja acessível através de QR-Code impresso no livro.
O jornalista conta ainda que o piano, inicialmente do Conservatório de Música, foi inaugurado em 1948 com um concerto do pianista Cláudio Arrau. A fábrica se manteve pujante até o final da década de 1960 e fechou as portas na de 90.
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