Moda Sustentável
Ventana recicla, remixa e cria novas narrativas para a roupa
Dentro do conceito de upcycling, marca brasileira, criada pela pelotense Gabrielle Pilotto, ganha reconhecimento e vai mostrar a coleção Suture em Nova York
- Modelos remixados agradam as novas gerações
Criada há três anos pela pelotense Gabrielle Pilotto, a Ventana estreia em uma das quatro semanas de moda mais importantes do planeta, junto com Paris, Milão e Londres: a consagrada e desejada New York Fashion Week, que ocorrerá de 7 a 13 deste mês. A marca com sede no Balneário Camboriú, Santa Catarina, apresentará a nova coleção, intitulada Suture, no dia 9, no Canoe Studios, levando ao público peças criadas sob o conceito upcycling. O objetivo é mostrar como é possível criar a partir do que sobra na indústria e no mundo.
Sob o comando da diretora criativa Gabrielle, a Ventana tem se consolidado no universo fashion apresentando peças que em outros tempos não seriam bem aceitas pelos consumidores. Hoje a ideia de reciclar, reaproveitar e criar algo novo, a partir do que já existe e seria descartado, ganha cada vez mais apoio e admiradores e, por consequência, o "agradecimento" do planeta.
Para esta nova coleção Gabrielle criou peças originais a partir de materiais cedidos pelas brasileiras Dod Alfaiataria, Aluf, Class, Toruss, BCrew, Aguiar Design, Erente, Katsukazan e Teray, além de materiais garimpados pela própria Ventana em bazares e brechós. Unindo bandeiras de mostruário de tecido, com retalhos de sobras de corte e peças que não passaram no controle de qualidade das marcas nasceu a Suture, com peças para além da estética que são únicas e têm uma história de resgate a ser contada.
Ao divulgar a nova coleção, Gabrielle celebrou o fato de muitas marcas se unirem para mudar a forma das coisas são feitas. "É tudo um processo, se anos atrás não servia nem o questionamento de em que condições as peças são produzidas, agora a gente vê um ativismo de parte da população que não aceita mais vestir uma peça a qualquer custo. Mas lógico que é uma longa caminhada pra gente conseguir ir melhorando as coisas, e acho que unir quem começou fazendo tudo meio do avesso com quem quer essa mudança, é o mais eficaz", diz Gabrielle.
Gabrielle trabalha profissionalmente com moda desde 2012, quando abriu o brechó La Pergunta. Uma grande alteração de rota para quem queria cursar Medicina. A empresa a levou ao curso de design de moda, no qual acabou se direcionando para a customização e reciclagem de peças, quando teve contato com o conceito de upcycling. O movimento prega o consumo sustentável, por meio do melhor uso dos materiais que existem, diminuindo consideravelmente o desperdício.
As peças criadas por Gabrielle não buscam a perfeição, pelo contrário mostram pespontos e evidenciam desalinhos, porém são cheias de personalidade e traduzem a força de um movimento, agradando em cheio as novas gerações. Reconhecido, o trabalho tem sido apresentado pelas principais revistas de moda do Brasil e de fora dele, além de ter a simpatia de artistas como Pabllo Vittar, Priscilla Alcantara e Manu Gavassi, entre outros.
Dos brechós às passarelas
Em entrevista ao Estilo, Gabrielle conta um pouco sobre a própria trajetória e com percebe o propósito da marca criada há tão pouco tempo.
Diário Popular/Estilo - Conta como tu te interessou pela moda circular e pelo upcycling?
Gabrielle Pilotto - Cresci dizendo que queria ser médica então era muito difícil pensar alguma outra profissão, porém, sempre gostei de inventar minhas roupas, pegava roupas da minha mãe e da minha tia e transformava para mim, mas só em 2012 que comecei a pensar que talvez não quisesse ser médica e sim trabalhar com moda. Comecei a ir nos brechós e comprar calças jeans e transformava elas em shorts, jaquetas, mas sempre para uso próprio, até que minhas amigas começaram a gostar, e aí comecei a fazer e vender para elas também. Na época não fazia pelo propósito e nem conhecia o termo upcycling ainda. Mas fui me encantando pelo universo dos brechós e da moda de segunda mão e comecei a ir frequentemente nos que tinham aí na cidade, eram peças diferentes, peças de qualidade ótima, muitas delas nunca nem usadas. A moda foi deixando de ser um hobby e foi virando algo que eu queria como profissão. Foi aí que o La Pergunta brechó nasceu, algumas peças modificava e vendia e outras vendia exatamente como eram, pois na época não tinha grana para pagar costureira e ainda não sabia fazer as coisas que queria sozinha.
Alguns anos depois conheci o termo upcycling e entendi que o que eu fazia era isso, comecei a estudar sobre e tive certeza que queria ter a minha própria marca e que seria só com peças feitas a partir de materiais descartados e de segunda mão.
DP/E - A Ventana surgiu de uma outra empresa, La Pergunta, correto? Por que foi necessário mudar?
GP - La pergunta virou Ventana em 2020, era um sonho de alguns anos já transformar o brechó em marca, mas fui entendendo mais sobre o upcycling mesmo, aprendendo mais sobre costura, modelagem e tudo mais (que não é pouco) sobre ter uma marca. Entendo que foi necessário mudar porque embora ainda ame brechós e tudo mais, eu queria muito trabalhar com o criativo e com o que mais gosto de fazer, que é pegar uma roupa, um cobertor, um tapete, um pedaço de estofado de sofá e transformar aquilo em roupa. Tive muito medo, afinal, o brechó já estava funcionando, já tinha seu público e seus clientes, mas hoje é muito gratificante ver que mesmo com medo eu acreditei, peguei impulso e mudei. E mais gratificante ainda é ver que faço a tantos anos e que enfim está sendo valorizado, nos últimos três anos a Ventana teve um crescimento e reconhecimento tão grande que às vezes nem acredito. Mas aí paro para pensar que são mais de 10 anos me dedicando a isso e aprofundando no upcycling e na moda circular, e que todas essas portas que se abriram são fruto da minha dedicação e persistência. É uma conquista conseguir trabalhar só com a Ventana hoje em dia, por muitos anos eu trabalhava o dia inteiro em outros empregos e conciliava o brechó nas horas vagas, porque ainda não conseguia viver disso, agora consigo, e isso faz toda diferença.
DP/E - O conceito de upcycling não é conhecido popularmente, mas transformar peças de roupas é algo antigo, especialmente quando não existia indústria da moda popular. É difícil fazer as pessoas entenderem o propósito da Ventana?
GP - Sempre falo isso para as pessoas… se olhássemos para trás entenderíamos que não inventamos a roda, foi a velocidade e formato de produzir e consumir que acabou fazendo com que esse trabalho mais artesanal fosse deixado de lado. Eu mesma tenho o exemplo da minha mãe, que inventava roupas para mim com tecidos que tinha parados em casa, na infância já fui em festa da família com roupa feita de cortina, com sapato que era usado e foi forrado com tecido… Enfim, com certeza parte da minha inspiração vem dessa memória afetiva que tenho com essa parte da minha história, com as cenas que crio na minha cabeça da minha avó na máquina, das recordações reais que tenho da minha tia costurando.
DP/E - E sobre o propósito da Ventana?
GP - Sobre fazer as pessoas entenderem o propósito da Ventana… na verdade não é uma coisa que hoje em dia me preocupo muito, acho que cada pessoa tem seus processos, seu jeito de ver o mundo e a moda, e às vezes seu tempo também. Eu mesma fui de uma adolescente muito consumista que tinha um monte de roupa e sapato que nunca usava, para alguém bem diferente hoje em dia. Eu faço o meu trabalho porque eu vi propósito nisso, mas o que quero criando é fazer com que as pessoas gostem tanto do que estão vendo, ou, sintam estranheza, que resolvam aprofundar mais na marca e no upcycling…
O que faço é contar histórias a partir das roupas e isso aproxima muita gente.
DP/E - Como surgiu o convite para a Semana de Moda de NY?
GP - A Ventana foi convidada para desfilar na semana de moda de NY como uma das apostas de marcas emergentes de moda do mundo. Foi realmente uma surpresa, e por um momento quase não respondi achando que era algum golpe, mas não era (risos) e aqui estamos indo desfilar pela primeira vez em uma das maiores semanas de moda do mundo, e isso é surreal!
DP/E - Tu te envolves em todo o processo de criação? E como encontrar as peças para reaproveitamento? É difícil? Tens fornecedores?
GP - Sim, me envolvo em todos os processos de criação, desde quais materiais usar, até que foto postar, que arte criar… tudo passa, ou, é feito por mim.
Fiz tudo sozinha na Ventana por muito tempo, qualquer parte do processo desde a criação da peça até o pacote de envio para os clientes, era eu quem fazia. Hoje em dia a Ventana conta também com a Brenda, Pamela e Mica, cada uma com suas responsabilidades diferentes que permite que minha cabeça foque na parte criativa e consiga ter mais tempo e qualidade de vida no trabalho.
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