Realidade

A jornada de trabalho feminina que começa ao final do expediente

Dados apontam que mulheres dedicam, semanalmente, 6,8 horas a mais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas do que os homens

(Foto: Carlos Queiroz) - em casa. Bruna é uma das muitas mulheres que fazem dupla (ou tripla) jornada no Brasil

Chegar ao fim do expediente de trabalho formal e se deparar com uma outra jornada de afazeres domésticos e cuidado de pessoas. Essa rotina, que ganhou destaque após aparecer como tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, é a realidade de cerca de 91% das mulheres brasileiras, conforme aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Os números apontam, entre diversos indicadores, uma grande desigualdade de gênero quando o assunto são os cuidados no lar.

São histórias como a da engenheira ambiental Bruna Passos, 29, que inspiraram o tema que mobilizou os milhões de candidatos do Enem no último final de semana. Empregada no setor da construção civil e mãe solo, as horas após o expediente são dedicadas ao cuidado da filha de quatro anos e aos afazeres domésticos. “Eu não consigo ver o ir para casa como descansar, sabe? Chega em casa e tem tema, tem que arrumar a roupa pro outro dia, lavar roupa, fazer comida, organizar tudo. Quando vejo, o horário de descansar é só a hora de dormir mesmo”, reflete. A engenheira também divide a jornada dupla com a mãe, que mora com ela e, assim como Bruna, concilia as tarefas domésticas com o horário de trabalho.

Para ela, a exaustão mental é uma das características do dia a dia agitado. “É um cansaço mais mental do que físico. Às vezes a gente consegue descansar o corpo, mas a cabeça tá sempre ligada. Por exemplo, se amanhã tem reunião da escola, eu tenho que organizar todo meu trabalho para que, naquele horário, eu possa sair e ir na escola”, exemplifica. A engenheira também confirma a realidade apontada pelos dados de que a rotina da jornada dupla, e às vezes tripla, de trabalho, é compartilhada entre outras mulheres. “Minhas amigas, que também são mães, têm basicamente esse mesmo relato de cansaço”, observa.

Olhar mais cuidadoso
Mais empatia. Para Bruna, esse pequeno ato de olhar para a realidade do próximo com mais sensibilidade já ajudaria as mulheres que vivem a jornada dupla. Na rotina de trabalho, em uma área ainda dominada por homens, por exemplo, ela observa que muitos colegas veem o fim do expediente ou os finais de semana como momento de descanso enquanto, para ela, não é bem assim. “Acho que o mínimo que a gente pode tentar pra amenizar um pouco [a situação] é entender que são realidades diferentes, que o teu cansaço é diferente do meu. Um pouco mais de empatia já seria um começo para a sociedade ver essas mulheres de outra forma”, observa.

A abordagem do tema no Enem, para Bruna, pode ter servido como um despertar para o olhar mais atento a essa realidade. “O tema do Enem foi bem pertinente e acho que ele assustou bastante gente, que não esperava um tema assim, porque é uma coisa tão normalizada que a gente não percebe. Se a gente for parar pra pensar, quantas mulheres a gente conhece que vivem essa jornada, essa rotina?”, avalia.

Política nacional
Essa situação também está no radar do governo federal. No início deste ano, foi lançado um grupo de trabalho (GT) composto por 17 órgãos da administração federal para discutir e elaborar a Política Nacional de Cuidados. A socióloga Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), está à frente do GT. A expectativa do grupo é que, em maio do ano que vem, sejam apresentadas propostas para um marco que reconheça direitos ao cuidado, direitos de quem cuida e o incentivo a políticas públicas já existentes e a criação de novos direitos.

Desigualdade de gênero em 2022

  • 92,1% das mulheres com 14 anos ou mais realizaram afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas, enquanto 80,8% dos homens da mesma faixa etária fizeram essas mesmas atividades
  • Em média, as mulheres ocupadas profissionalmente dedicaram 6,8 horas a mais do que os homens ocupados aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas
  • Entre as pessoas não ocupadas, as mulheres dedicaram 11,1 horas semanais a mais do que os homens aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas
  • Em média, as mulheres dedicaram 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas, enquanto os homens utilizaram 11,7 horas semanais

Fonte: Pnad Contínua 2022


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