Mudança?

A lei que pode mudar o futuro do Sanep

Novo Marco Legal do Saneamento incentiva participação do setor privado; Pelotas está nos parâmetros do abastecimento de água, mas trata apenas 18% do esgoto

Jô Folha -

O prazo de 11 anos para cumprir metas estabelecidas por lei parece ser longo. Mas quando se trata de oferecer quase 100% de água potável e 90% de esgoto tratado a uma população com mais de 212,6 milhões de habitantes, o cenário muda de figura e os desafios a serem encarados é como se mais de uma década se tornasse pouco. Pois é isso que exige a Lei 14.026/2020, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil. Para especialistas e sindicalistas de Pelotas, a lei foi feita para incentivar a privatização das estatais, entre elas o Sanep, e desonerar os governos de prestar serviço essencial à vida das pessoas.

A autarquia pelotense, apesar de ser vista como uma das melhores em prestação desse serviço no Brasil, oferece apenas 18% de esgoto coletado, o que ainda é um percentual acima da média nacional. Para cumprir com a meta da normativa, precisaria hoje de R$ 500 milhões em investimentos, segundo cálculos do município. Para o Sindicato dos Servidores Municipais do Saneamento Básico de Pelotas (Simsapel), o Sanep está na mira dos investidores devido a sua posição privilegiada em meio a uma bacia hidrográfica. "Pelotas está, digamos, no top 5, por causa da sua localização geográfica. Por isso a preocupação com a possibilidade da privatização'', diz o presidente Renato Abreu. A preocupação da categoria é com uma suposta mudança de prioridade a partir do controle privado da autarquia. "O serviço essencial não pode estar nas mãos da iniciativa privada, que visa lucro. Diferentemente da gestão atual, que aplica o que recolhe com taxas na prestação e manutenção do serviço e o que sobra é para investimentos em melhorias."

Mesmo que a Lei 14.026 destaque artigos sobre a punição para quem não cumprir com prazos e metas, por meio de quebra de contrato e a perda da concessão do serviço, Abreu desacredita em uma fiscalização eficaz e cita o exemplo de Uruguaiana, cujo saneamento foi privatizado e, na sua avaliação, tem provocado insatisfação da comunidade. "A prefeitura nada pode fazer porque perdeu a jurisprudência", alega. Para Abreu, Pelotas não estaria longe de alcançar a universalização. Segundo ele, porém, teria havido desperdício de verbas em anos anterior para a construção de três Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), agora em andamento (veja quadro).

"Para estarmos nos parâmetros da lei e, assim, não deixar de recebermos os investimentos do governo, cogita-se a possibilidade de aluguel de ativos, onde uma empresa é contratada, constrói a obra e o Sanep fica pagando pelo aluguel e o lucro por 15 ou 30 anos, conforme o contrato", propõe o sindicalista. A alternativa, uma vez que o Simsapel é contra a privatização e a parceria público-privada (PPP), teria como única vantagem a manutenção da autonomia da gestão da água.

Impossível cumprir o Marco, diz presidente do Sanep
A diretora-presidente do Sanep, Michele Alsina, diz que a realidade é dura no saneamento básico no país por conta dos baixos investimentos históricos. Em Pelotas, afirma que o Sanep trabalha com os parâmetros ideais de abastecimento de água, embora considere que ainda é preciso evoluir. "Nosso grande desafio corresponde ao esgotamento sanitário. Atualmente, trabalhamos com cerca de 18% do esgoto tratado. É um índice importante, mas ainda distante do ideal e da meta que precisamos atingir", aponta. A autarquia estima que seja necessário investimento de R$ 500 milhões para viabilizar as obras necessárias, entre ETEs e construção, manutenção de redes coletoras e realização de redes de esgoto. "O investimento representa mais de três vezes a arrecadação anual do Sanep, que é de R$ 150 milhões dos quatro eixos, e 20 vezes a receita hoje obtida somente com o serviço de esgoto. Com base nos valores, sem correção, seria impossível cumprir com o prazo estipulado pela Lei do Marco."

Conforme Michele, apesar da necessidade de definir um rumo para a autarquia (privatização, PPP ou aluguel de ativos), ainda não há caminho definido, com estudos e exemplos ainda em avaliação. "É a pergunta que move os esforços da direção nos últimos meses. O governo federal, com a atualização do Marco, deixou claro aos municípios que o caminho para a universalização do saneamento básico no país passa por estimular a participação do setor privado. Mas aqui vivemos cenário singular. Somos a única autarquia do Rio Grande do Sul a gerir os quatro eixos do saneamento: água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos."

Regionalização
Diante a imposição aos estados de um modelo de regionalização, que é a formação de blocos de municípios com o objetivo de planejar, organizar e regular os serviços de água e de esgoto em conjunto - como forma de receber recursos do governo -, Pelotas decidiu inicialmente declinar. "Detectamos inconsistências neste modelo e, por isso, há uma inclinação dos municípios maiores, como é o nosso caso, de não aderir à regionalização nesse primeiro momento", explica Michele. Ela conta que a união com outros 190 municípios, proposta pelo Estado, não dá garantia de que os recursos da União seriam suficientes para se chegar à universalização do esgotamento sanitário em Pelotas até dezembro de 2033. Além de perder a autonomia, a autarquia teria que lidar com particularidades, já a regionalização não inclui drenagem e coleta de resíduos.

Desoneração
De acordo com a coordenadora do curso de Gestão Ambiental da UFPel, professora Fernanda Medeiros Gonçalves, o Novo Marco Regulatório objetiva de fato universalizar o acesso ao saneamento básico "dividindo" o trabalho com a iniciativa privada, indiretamente destacando a incapacidade do poder público em atender uma escala atemporal deste direito básico. "O Novo Marco acaba por rever normatizações que não avançaram em sua primeira versão, normatizando a participação do setor privado na busca pela tão sonhada ampliação do acesso a serviços básicos e necessários à população, como água potável e esgotamento sanitário. Este último com avanços tímidos em todo o Brasil." Sob a ótica ambiental, a professora ainda pontua que a velocidade de ampliação da coleta e tratamento do esgoto doméstico deveria ser a mesma da distribuição de água potável, uma dicotomia que fere a ciclagem natural da água.

Estrutura para tratamento de esgoto
Pelotas tem uma ETE localizada no Laranjal em operação; uma em construção na avenida Francisco Caruccio, denominada ETE Novo Mundo, cujo projeto está executado em cerca de 45%; duas em frase de projetos - Engenho e ampliação no Laranjal; e, ainda, conta com duas estruturas que minimizem a poluição causada pelos efluentes: uma lagoa de estabilização, no Fragata, e um reator anaeróbio de leito fluidizado, no Porto.

Saiba mais
1. O que é saneamento básico?
Abrange o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.

2. O que muda com o Novo Marco Legal do Saneamento?
Visa universalizar e qualificar a prestação dos serviços por meio da promoção de mudanças na sua regulação, prevendo que até 31 de dezembro de 2033 99% da população tenha água potável e 90% seja contemplada com a coleta e tratamento de esgoto. Também está na normativa ações para diminuição do desperdício de água, aproveitamento da água da chuva e incentivo ao investimento privado através da abertura de licitações.

3. Qual a situação atual do saneamento básico no país?
De acordo com o IBGE, 35,7% da população não têm acesso aos serviços de saneamento básico, cerca de 75 milhões de pessoas. Já pesquisa feita pelo Senado aponta que cerca de cem milhões não têm acesso à coleta de esgoto.

4. Qual o investimento para a universalização do saneamento?
O governo estima que serão necessários em torno de R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões em 11 anos para atender a normativa e - de acordo com levantamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) - só com investimento de dinheiro público no setor esse tempo passaria para 40 anos. Atualmente, 94% das cidades brasileiras têm o serviço de saneamento prestado por estatais.

5. O que muda na gestão com a Novo Marco?
Declara o fim do direito de preferência a empresas estaduais e extingue os chamados "contratos de programa", firmados sem licitação ou concorrência. As regras deverão também estimular a cooperação entre os entes federativos, possibilitar a adoção de processos adequados às peculiaridades locais e regionais e incentivar a regionalização da prestação dos serviços para contribuir à viabilidade técnica e econômico-financeira, a criação de ganhos de escala e de eficiência e a universalização dos serviços.

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