Entrevista

A poesia de Angélica Freitas, do Laranjal a Berlim

Escritora fala de sua obra, influências e a relação com Pelotas

Foto: Jô Folha - DP - Autora pelotense atualmente está morando na Alemanha

Um dos maiores nomes da poesia brasileira contemporânea, a pelotense Angélica Freitas volta de Berlim para um período em Pelotas. Autora de três livros de poemas, Rilke Shake (Cosac Naify, 2007), Um útero é do tamanho de um punho (Cosac Naify, 2012) e Canções de atormentar (Companhia das Letras, 2020). Em 2012, publicou a HQ Guadalupe (Quadrinhos na Cia), com arte do pelotense Odyr. Angélica teve poemas musicados por Vitor Ramil e lançados no álbum Avenida Angélica (2022), gravado ao vivo no Theatro Sete de Abril vazio e em obras. Ela conversa com o DP sobre sua obra, influências e a relação com a cidade.

Essa experiência na Alemanha de alguma maneira interferiu no teu processo de criação?
Na verdade, essa experiência me deu mais tempo para me dedicar a escrever e para a leitura. Como Berlim é uma capital que tem muita oferta cultural, também aproveito muito os museus, teatro, e sigo desenvolvendo meus temas. Me preocupo também com o trabalho de linguagem, os limites da forma poesia. Estar na Alemanha com bolsa, e acabei de ganhar uma outra bolsa para 2024, me dá tempo para desenvolver esse trabalho sem uma preocupação de publicação, para investigar tanto os temas quanto as formas que me interessam. Eu acho que falar uma língua estrangeira dá ênfase a outras coisas, então talvez a longo prazo eu note no meu trabalho que tem alguma diferença, mas por enquanto eu não consigo perceber.

Como foi que a poesia entrou na tua vida?
Eu comecei a escrever versos quando tinha uns nove anos. Eu tive muita sorte de ter uma professora no Assis Brasil, a Carmen Vera Notari, não sei se ela lembra de mim ou não, mas ela descobriu que eu gostava de escrever poemas e ela sempre me pedia mais, e na minha família as pessoas notaram que eu gostava de escrever, então me davam livros e me incentivavam. Fiz 50 anos este ano, então escrevo poesia na maior parte da minha vida.

Quais foram tuas referências ao longo do teu amadurecimento como escritora?
Eu fiz Escola Técnica depois e eu lia todos os livros de poesia que eu achava na biblioteca. Quando eu tinha uns 15 anos, um amigo, o Andrei Cunha, me emprestou um livro da Ana Cristina Cesar, e quando eu li fiquei tão impactada, porque eu não sabia que podia escrever poesia daquele jeito. Eu estava acostumada com uma poesia mais tradicional, muito boa também - lia muito Drummond, Bandeira, mas aí chegou a Ana Cristina Cesar, com uma dicção super diferente. A partir disso fui procurando outras mulheres que tivessem vozes diferentes. Comecei a ler muita coisa em inglês, enveredei pela poesia americana e inglesa. Acho que até hoje busco outras vozes e poetas que não conheço.

Como o feminismo permeia tua literatura e tua forma de escrever?
A gente não consegue escapar muito de quem a gente é. A nossa vida, o nosso contexto, acaba influenciando a forma como a gente se relaciona e as respostas que a gente dá para o mundo. Sendo uma mulher cisgênero, minha vida é diferente de uma mulher trans, então a gente vai falar de coisas diferentes e dependendo da nossa preocupação estética a gente vai falar de uma maneira diferente. Isso não significa que por ser mulher tem que fazer uma poesia feminista. Foi bem importante para mim ter escrito Um útero é do tamanho de um punho, um livro sobre mulheres, que me ajudou a entender muita coisa. Quando escreve, a gente consegue desdobrar o nosso pensamento e chegar em um lugar onde tu não chegaria de outra forma. Para mim, como poeta, foi importante porque investiguei a fundo esse tema das mulheres e também me preocupava muito em como ia fazer isso.

Como é ser uma das vozes da poesia brasileira dos últimos anos?​
Fico feliz que muita gente tenha lido meu livro e que tenha servido de inspiração para outras mulheres. Até hoje recebo mensagens de pessoas que leram o livro e de alguma forma se sentiram tocadas ou começaram a pensar de uma forma diferente sobre o que é ser mulher.

Como aconteceu a tua aproximação com o Vitor Ramil?
Eu só tinha lançado meu primeiro livro, Rilke shake, pela Cosac Naify, mesma editora que o Vitor publicou Satolep. Nós tínhamos o mesmo editor, o Augusto Massi, que perguntou ao Vitor se ele me conhecia e deu o livro. O Vitor disse que imediatamente começou a musicar os meus poemas. Ele sempre foi um dos meus cantores favoritos e morava a uma quadra e meia da minha casa, mas eu nunca falei com o Vitor em Pelotas, sempre deixei ele em paz. Quando o Vitor me escreveu em 2009 pra contar que estava musicando os meus poemas eu estava morando na Holanda. Eu acho que ele trouxe muito da estética dele para os poemas. As canções eu vejo como um trabalho em conjunto.

Ele traduz muito bem o tom irônico do teu texto…
E traz uma profundidade para os poemas. Tem uma canção sobre um violinista num avião caindo, é um monólogo dramático. Ler o poema sem a música parece uma coisa de um cara que simplesmente se resignou que vai morrer, e o Vitor traz mais camadas para a música, traz uma angústia mais acentuada. Ele traz mais camadas para o poema, vira outra coisa.

O teu último livro, Canções de atormentar, nasceu já de uma performance musical. Isso te aproximou da música?
É uma performance que eu faço com a minha companheira Juliana Perdigão, com quem sou casada, que é cantora e musicista. Fomos convidadas para participar de uma série de performances de poesia e música em São Paulo. Eu tinha musicado uns poemas eu mesma com meu violãozinho, pedi pra Juliana dar a contribuição musical dela. A gente gostou tanto que fizemos mais três. Pretendo fazer mais parcerias musicais, pra mim música é tão importante quanto literatura, às vezes até mais.

Como é tua relação com Pelotas?
Eu acho que todos os poetas querem colocar a sua cidade no mapa. A cidade sempre acaba aparecendo, e eu tinha sempre essa vontade de escrever sobre o Laranjal, que foi onde passei boa parte da minha infância. Minha mãe morou no Laranjal, e pra mim é o centro do mundo. Tenho uma relação de admiração com a lagoa, acho uma das praias mais bonitas do mundo, quando vejo alguém no Instagram postando foto do Laranjal, eu acho lindo. Deve ser sentimento de muita gente que é daqui e vai embora. Acho que ainda vou escrever mais sobre Pelotas, tenho vontade de escrever algumas coisas autobiográficas.

Tem trabalhado em algum novo projeto?
Demoro muito tempo nos projetos. Estou escrevendo um livro de poemas e um de prosa, e acabei de escrever meu primeiro texto pra teatro, que vai ser apresentado dias 15, 16 e 17 em Porto Alegre, se chama A Casa e é com uma atriz de Pelotas, a Janaína Kremer. A gente quer fazer em Pelotas também. [Informações no Instagram @sigaacasa]

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