Retrocesso educacional
Analfabetismo entre crianças em idade escolar cresceu no Brasil
Dados mostram realidade alarmante da educação básica pós-pandemia; em Pelotas, cenário é de grandes dificuldades entre os alunos dos anos iniciais
Foto: Carlos Queiroz - Segundo dados da Unicef, entre 2019 e 2022, saltou de 20% para 40% a proporção de crianças de sete anos que não sabem ler nem escrever
O processo de alfabetização das crianças brasileiras vive, hoje, um momento delicado. Segundo dados da Unicef, entre 2019 e 2022, saltou de 20% para 40% a proporção de crianças de sete anos que não sabem ler nem escrever, especialmente entre aquelas afetadas pela pandemia durante esse período.
Em Pelotas, apesar de não haver dados municipais sobre o analfabetismo das crianças, é possível afirmar que são grandes as dificuldades desse período. A professora da Faculdade de Educação (FaE) da UFPel e integrante do coletivo nacional Alfabetização em Rede (Alfarede), Gilceane Porto, avalia que, ao longo da pandemia, a falta de material, capacitação, tecnologia e estrutura culminou em uma grande precarização do trabalho dos professores, que se refletiu na alfabetização das crianças. “A maioria das escolas públicas de Pelotas não tem uma biblioteca funcionando. Como as professoras formam um leitor, ensinam a ler e escrever, sem nem ter uma biblioteca?”, exemplifica.
A pesquisa coordenada por Gilceane, em Pelotas, investiga o processo de alfabetização no contexto do ensino remoto e da pandemia de Covid-19. Segundo ela, através de relatos das professoras da rede pública, é possível determinar a gravidade da situação na cidade e na região. “No terceiro ano, se espera que a criança já compreenda leitura e escrita, mas a gente tá percebendo crianças chegando sem conhecer as letras, sem saber escrever o nome ou segurar um lápis. Há crianças de 5º e 6º ano que não estão plenamente alfabetizadas, sem efetivamente ler e escrever com autonomia.”
Desafios diários
Na linha de frente da alfabetização, na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Cecília Meireles, a professora Liziane Blank confirma o que os dados mostram. “A fragilidade da alfabetização já é histórica”, enfatiza. Para ela, a falta de recursos e infraestrutura são a ponta do iceberg, que vai até a falta de apoio familiar em casa. “O engajamento da família está cada vez mais afastado”, aponta, dizendo que desistiu de pedir tarefas de casa pela falta de retorno dos alunos. A dificuldade de escrever e interpretar textos é uma das principais observadas pela alfabetizadora.
Na rotina, ela precisa buscar diariamente formas criativas de suprir a falta de interesse e recursos, frente a crianças que têm grande acesso a tecnologia fora da escola. “Que atrativo tem um quadro branco e uma caneta preta para eles?”, indaga. O afastamento da escola, para Liziane, trouxe grandes prejuízos aos pequenos e deve se refletir nos próximos anos. “Foram praticamente dois anos de afastamento. Eles perderam todo o regramento, a dinâmica de uma escola. Precisei reeducar a postura da sala de aula, para depois ir para a parte alfabetizadora. Ficou uma lacuna muito grande de conhecimento”, lamenta.
Na visão da criançada
Na turma de 2º ano do Ensino Fundamental, coordenada pela professora Liziane, a criançada cheia de olhares curiosos dividiu com a reportagem algumas impressões do processo de alfabetização. Para os pequenos, escrever textos é um desafio maior do que ler livros e fazer continhas de matemática. “Escrever é mais difícil, ainda mais quando é texto grande”, conta um dos meninos. O grupo continua e exclama que gosta de ler livros, enquanto uns exprimem o gosto pelos gibis e outros pelos livros de ação ou de ficção. Uma unanimidade entre os alunos, no entanto, chama atenção: a maior parte das crianças diz gostar de ler no celular e não em livros físicos.
Onde está a solução?
Ao que tudo indica, os efeitos do período da pandemia, e também de todas as mudanças no cenário educacional, vieram para ficar, e as escolas precisarão acompanhar essas mudanças. “Para uma criança aprender a ler e escrever, ela precisa conviver com um ambiente letrado, onde a leitura e a escrita façam sentido para ela, já que muitas vêm de famílias onde isso não está presente. A escola precisa dar esse lugar para essa criança”, destaca Gilceane. A escuta atenta das ações e demandas das professoras é, para a pesquisadora, um dos primeiros passos para pensar em soluções. “A primeira alternativa é ouvir as professoras. Em segundo lugar, é preciso que a própria rede de ensino possa antever essas dificuldades, contratando profissionais, equipando bibliotecas e salas de aula”, avalia.
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