Seca
Cadê a água que estava aqui?
No Dia Mundial da Água, uma reflexão sobre como estamos tratando os nossos recursos hídricos
Foto: Italo Santos - DP -
Por Luciara Schneid
Meio Ambiente. A água é um dos recursos mais abundantes do planeta, essencial para a vida e a estimativa é de que cubra 71% da superfície da terra, no entanto, 3% apenas é de água doce e adequada para o consumo humano. Hoje, Dia Mundial da Água, um dado preocupante divulgado pelo MapBiomas (plataforma.brasil.mapbiomas.org/agua), nos leva a refletir sobre como estamos tratando nossos recursos hídricos: a Zona Sul - 22 municípios da Azonasul - perdeu 11.299 hectares de superfície d’água nos últimos 20 anos (de 2002 a 2022), uma queda de 7,39%. Isto representa uma perda equivalente a 15.825 campos de futebol.
O dado é ainda pior se comparado às máximas históricas de áreas com água - a maioria delas registrada entre 1995 e 1999 - em que a redução chega a 17.064 hectares (-11,05%), o equivalente a 23.899 campos de futebol. De acordo com o ecólogo e ambientalista Marcelo Dutra da Silva, professor de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande, a água não se perde, ela apenas troca de lugar. “A água é a mesma desde o surgimento do planeta, mas ela troca de lugar”, afirma.
Isso explicaria a estiagem no Estado e, ao mesmo tempo, a ocorrência de grandes volumes de chuvas em outros locais do País, que assim como a escassez, trazem inúmeras perdas, principalmente de vidas humanas, diz. Os últimos quatro anos foram de estiagem prolongada na região, neste ano, castiga quase a totalidade dos municípios, com perdas econômicas incalculáveis.
“O aquecimento global é realidade e não pode ser parado. As temperaturas médias estão acima de um grau mais quente e a responsabilidade é nossa”, diz. Ele explica que o homem ocupa os lugares sem medir as consequências e possui hábito de consumo predatório, consumindo mais do que necessita.
Segundo ele, este comportamento faz com que os problemas se acentuem, como a mudança no ciclo das chuvas, falta de água generalizada, agravamento na repercussão da estiagem, perdas, maior número de municípios atingidos. “E o comportamento não mudou, é preciso ter de fato um plano para todas as regiões do Estado”, cobrança esta dirigida ao Governo do Estado. “A grande novidade é que o governador está mais atento ao monitoramento e planejamento para o próximo evento de seca, mas só isso não basta”. Segundo o ecólogo, o Estado deveria estar tratando do armazenamento de água há mais de uma década, seja na preparação de açudes, poços artesianos, barragens, tudo baseado na lei ambiental, que alguns querem mudar para atender seus próprios interesses.
Ele sugere olhar para o ambiente em que vivemos como um grande ecossistema, principalmente àqueles que vivem da produção. “Não acontece produção de alimentos sem água, desde o cultivo até a agroindustrialização, é preciso muita água”, ressalta. Sem água, não há produção e muito menos consumo, salienta.
“Mas isso não significa que devemos usar a água como se fosse uma fonte inesgotável, pois a água já não é tão pura como antigamente, já não tem qualidade e começa a faltar também a quantidade”, diz.
Entre as atitudes obrigatórias para a preservação da água ele cita a proteção de nascentes, das áreas de preservação permanente (apps) e margens dos ambientes hídricos. “Com a desocupação dos ambientes de margem, a perda de água pela troca de lugar se torna ainda mais fácil”, diz, porque é retirada a barreira natural o que possibilita que ela trace seu próprio caminho.
Segundo o ecólogo, os cultivos, criações e o espaço urbano interferiram nos ambientes, o que trouxe consequências e mudanças, período que estamos vivenciando agora, com temperaturas médias cada vez mais elevadas, picos estranhos com frio no verão e calor no inverno. “Anomalias provocadas pelo uso abusivo dos recursos naturais e para preservar a água, precisamos planejar, repensar a forma de viver”, ressalta.
Atualmente temos ou seca por longos períodos ou chuvas intensas por curto período. “Aquela água que não vem agora, ela vai vir e por períodos curtos e com carga intensa”, ressalta. Neste aspecto ele alerta para um outro problema, o sistema de drenagem da cidade, que precisa estar limpo e preparado para dar vazão a este volume de chuva. Para isso é necessário fiscalizar e fazer uma campanha forte em educação ambiental para conscientizar a população.
“O fato de não planejar o futuro nos sobrecarrega na tentativa de amenizar as perdas”, diz, ressaltando a necessidade do poder público estabelecer políticas públicas e conscientizar as pessoas quanto às mudanças.
Rios voadores
O mau uso dos recursos ocorre no país todo, diz. “Mais de 50% do bioma já foi destruído, a da Mata Atlântica começou em 1500, a Amazônia está sendo colocada a baixo”, diz ressaltando a importância dela principalmente para o agronegócio, pela sua vasta cobertura arbórea, estimada em mais de 600 milhões de árvores. “As árvores são bombas capazes de produzir grande volume de água, os chamados rios voadores, mas só grandes coberturas florestais são capazes disso”, afirma.
Rio Piratini
A estiagem transformou completamente o leito do rio Piratini, em Pedro Osório e Cerrito, que se transformou numa grande extensão de areia, permeada por algumas poças de água. A situação de outros cursos dágua também é similar, com os níveis mais baixos de todos os tempos. Mesmo assim, os dois municípios, que têm sua fonte de captação de água bruta em arroio local, ainda não enfrentam problemas da abastecimento de água. As duas cidades estão entre as que perderam superfície d´água na Zona Sul, citadas pela MapBiomas, com 212 e 87 hectares respectivamente.
De acordo com o gerente da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) local, Davi Lucas, a captação de água das cidades fica localizada no arroio Basílio/rio Santa Maria, 20 metros acima da ponte da Orqueta. "Por ser uma corrente permanente, não sofremos com racionamento ainda, daqui para frente não sabemos", diz.
Segundo ele, este foi um ano em que se viu o nível do arroio mais baixo de todos os anos. "Eu estou como gestor da Corsan aqui desde 2018 mas funcionário desde 2009, e eu nunca tinha visto tão baixo, mas mesmo assim nunca nos assustamos porque sempre tinha uma margem bem tranquila para trabalhar", ressalta.
Ele explica que a ponta do cano que leva até as caixas de sucção encontra-se bem no fundo do rio, pois quando foi instalado, o local era bem mais fundo e hoje está assoreado, o que elevou o nível. O controle é diário, no máximo feito de dois em dois dias, diz. Mesmo que diminua ainda mais o nível, por ser uma corrente permanente, é possível fazer uma contenção/taipa com bags ou sacos de areia e elevar o nível da água na captação, explica.
As chuvas do último final de semana, ajudaram a elevar o nível do arroio, de 25 a 35 centímetros, deixando a situação ainda mais tranquila, diz. Apesar desta ser uma das secas mais severas e prolongadas em que o nível do rio esteve mais baixo, não houve necessidade de qualquer comunicado de racionamento. "A conscientização sobre o uso da água é permanente visando a preservação do meio ambiente".
A captação e Estação de Tratamento é uma só para os dois municípios e é disponibilizada rede por adutora até a cidade de Cerrito. "Em Cerrito a gente só distribui e em Pedro Osório, coleta, trata e distribui", ressalta. São disponibilizados diariamente 2,2 mil metros cúbicos de água potável para as duas cidades.
Sanep se prepara para as chuvas de inverno
A diretora presidente do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep), Michele Alsina, mostra um panorama da situação do abastecimento de água em Pelotas. Ela também anuncia a entrada em operação da Estação de Tratamento de Água (ETA) São Gonçalo já para o próximo verão e detalha ações da autarquia no enfrentamento à estiagem, combate a desperdícios e preparação do sistema de macrodenagem para as chuvas de inverno. Confira.
Qual é a produção/consumo diários de água hoje em Pelotas?
O Sanep produz, diariamente, mais de 100 milhões de litros de água tratada, distribuídos através de um sistema de 24 reservatórios e mais de um milhão de metros de redes de água que integram o abastecimento de Pelotas.
Este é o pior ano de seca?
Os efeitos negativos da estiagem, neste ano, estão piores do que o da seca histórica de 2020, se pegarmos o recorte de março. Isso significa que se o cenário de estiagem não for revertido nos próximos meses poderemos ter efeitos ainda mais severos sobre as reservas hídricas do Estado. Hoje, a barragem Santa Bárbara se encontra 2,99 metros abaixo do nível do vertedouro. Em junho de 2020, ela atingiu seu pior índice, com 4,40 metros negativos. Utilizando a barragem como referência, ainda não é estiagem mais severa em termos de abastecimento.
O Santa Bárbara ainda é o principal ponto de captação? Quanto % sai deste recurso? Quais os outros e %?
Sim. Hoje, a Estação de Tratamento de Água (ETA) Santa Bárbara é responsável por cerca de 60% da produção de água tratada no município. Outros 30% são tratados na ETA Sinnott e 10% nas ETAs Moreira e Quilombo.
Qual a expectativa de conclusão da ETA São Gonçalo? O que falta?
Estamos muito otimistas com a entrada em operação da ETA São Gonçalo já para o próximo verão. Hoje, a obra ultrapassa os 90% de conclusão e ocorrem intervenções na zona urbana, que são as caixas de manobra na praça Vinte de Setembro e próximo à Santa Casa. Faltam algumas instalações elétricas e hidráulicas na planta de operação. Também já são realizados os primeiros testes na Estação de Bombeamento de Água Bruta. A sua operacionalização é uma das maiores obras de infraestrutura do município nos últimos anos e com certeza a de maior impacto para o saneamento básico de Pelotas, nas últimas décadas.
O Sanep tem como medir perdas de água (desperdício)?
Hoje, os meios de precisar este valor são defasados. Estima-se com as ferramentas de medição que o Sanep tem à disposição que seja de 52%. Trabalhamos para reduzir esse índice. Envolve uma cadeia de processos que vão desde macro e micromedição, automação dos processos até ações de educação ambiental que irão desencadear em um sistema mais eficaz, sustentável e econômico.
Vale lembrar que perda de água engloba não somente vazamentos de água. Durante a pandemia, por exemplo, suspendemos o corte de água por inadimplência por um período de quase dois anos. Decorrente dessa ação de grande impacto social, positivo à população, houve também uma consequência negativa no processo de controle de perdas, que é o aumento considerável no número de ligações irregulares na cidade, o popular “gato”, além de uma perda grande de arrecadação. Durante praticamente dois anos, foi suspenso o corte de água, tendo retornado somente neste ano de 2022.
Atualmente está sendo posto em prática o plano de ações de controle de perdas. Foi retomado o corte por inadimplência, estão sendo adquiridos novos macromedidores e mais de 30 mil hidrômetros foram substituídos. O planejamento ainda prevê a regularização das ligações clandestinas, a suspensão de derivações, o diagnóstico de vazamentos ocultos e a regularização das ligações em áreas de vulnerabilidade, a fim de otimizar o índice de perdas e, consequentemente, o abastecimento de Pelotas.
Caso essa chuva que não caiu até agora venha toda de uma vez só, como está o sistema de drenagem da cidade? O Sanep tem um plano de ação?
O Sanep é o responsável pela parte de macrodrenagem urbana em Pelotas, enquanto a microdrenagem é de competência da Secretaria de Serviços Urbanos e Infraestrutura. Quanto à macrodrenagem, o sistema está em constante preparação. Hoje, temos as sete Casas de Bombas em pleno funcionamento, com plantões que asseguram a operação das unidades 24 horas por dia. O cronograma de limpeza de canais, bueiros e bocas de lobo também está em dia, com mais de 60 quilômetros de estruturas desobstruídas anualmente. Já trabalhamos com planejamento para chegada do inverno, preparando a cidade para a estação chuvosa.
Tens números de chuva deste ano em relação aos anteriores?
Desde dezembro de 2022 até hoje, 21 de março, foram registrados 202 milímetros pelo pluviômetro da barragem Santa Bárbara. Pelotas tem uma média histórica de 473 milímetros entre dezembro e março, de acordo com estudo da Embrapa em conjunto com a UFPel e Inmet. Em comparação também com o pluviômetro da barragem, na seca histórica de 2020 registrou-se 153 milímetros de chuva no período.

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