Gente boa
Caminhos do bem
Voluntários da Associação Amigos do Caminho (Amica) percorrem as ruas de Pelotas aos sábados e domingos, distribuindo refeições e promovendo atividades com a população em situação de vulnerabilidade social
Flávio Neves -
Domingo (18), antes de clarear o dia, as ruas já estavam molhadas pelo sereno típico da época do ano em Pelotas e a temperatura começava a despencar. Depois do veranico de sábado, com temperaturas ultrapassando os 25ºC, pela manhã os termômetros marcavam 8ºC.
Do lado oposto ao Altar da Pátria, na avenida Bento Gonçalves, centro, cerca de nove moradores de rua recebiam chocolate quente e sanduíches com mortadela - todos pareciam sentir frio. O relógio marcava 8h07 quando o grupo da Associação Amigos do Caminho (Amica) partiu em duas equipes para distribuir café da manhã a pessoas em vulnerabilidade social. Antes de ir, ainda era possível ouvir os agradecimentos.
Além de ajudar com alimentação, a Amica realiza atividades de terapia com usuários de drogas, oferece atendimento médico e conta com assistentes sociais em todo o trabalho na sede da associação, na rua Andrade Neves, 2.184. Com o início oficial do inverno desde à 1h24 desta quarta, é chegado o período mais crítico do ano para quem não tem um lar. O prognóstico do Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (CPPMet/UFPel) indica que o mês de julho deve ser o mais rigoroso, considerando a maior incidência de chuvas e temperaturas próximas a 0ºC.
“A gente acredita que, na situação de vida dessas pessoas, ter a possibilidade de fazer uma refeição já muda um pouco a realidade deles”, acredita Luciene Bezerra, 43. Representante comercial, Luciene é voluntária do projeto desde novembro e também auxilia nos jantares, sopão e outras atividades organizadas pelo grupo.
Dirigindo e acompanhada de outra voluntária, a administradora de empresa Kátia Salies, 51, percorreu as principais ruas do Centro e parava quando encontrava algum desabrigado. Conhecendo já os principais locais que servem de abrigo, as duas saíam do veículo anunciando: “Bom-dia! Vamos tomar café, meu amigo?”. Como participam das atividades da Amica há algum tempo, Luciene e Flávia já conheciam a maioria dos ajudados.
Na rua
Morador de rua desde os 12 anos de idade, Alexandre de Aquino, 27, conta que é natural de Jaguarão.
Deitado na calçada em frente a um bar, na rua 3 de Maio, na altura da Faculdade de Direito, ele apontou com o dedo para um dos bancos da praça, mostrando o local onde dormia. Depois de receber o sanduíche e um copo com a bebida quente, perguntou se Luciene e Flávia poderiam fazer uma oração junto com ele. De improviso, elas começaram a falar frases de conforto. Todos saíram com os olhos marejados. Em lágrimas, o jovem agradeceu e disse que elas, com certeza, seriam abençoadas por Deus.
Na avenida Bento Gonçalves os moradores se amontoam embaixo da marquise de um restaurante. Sentados num degrau, lado a lado eles se aquecem. Cristiano Goulart, 33, é um deles. Ele contou que mora na rua desde quando tinha 20 anos e já enfrentou a mesma situação em Porto Alegre, entre 2012 e 2014. Do trabalho da associação, falou com carinho: “Elas fazem bem feito porque gostam, não fazem como se fosse uma obrigação”.
Sentado em uma das portas do Grande Hotel, um idoso de aproximadamente 60 anos se encolhia debaixo de um poncho. Com uma caixinha de papelão meio fechada, ele disse que estava ajudando uma pomba. Com um dos braços mostrou um filhote do pássaro, tradicional habitante do hotel, que havia caído e não sabia voar. Perguntado sobre como estava alimentando a ave, ele respondeu que dividia sua própria comida com ela. Com dois sanduíches nas mãos, avisou que daria pedaços de migalha para a pomba.
Na rua desde dezembro, Adriano Caminha, 38, contou que era montador de móveis. Natural do Rio Grande, já teve até Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Quando questionado sobre os motivos que o levaram às ruas, preferiu responder que “é uma longa história”. Caminha reside com outros homens na praça Cipriano Barcelos.
Julho rigoroso
No prognóstico lançado pelo CPPMet/UFPel, a previsão é de “aumento na frequência das frentes frias que, associada a alguns períodos de forte umidade, poderá provocar chuvas mais intensas, especialmente no sul e no leste do Estado”. De acordo com o estudo, a estimativa de chuva para junho e agosto é entre 90 e 105 milímetros.
O mês mais chuvoso deve ser julho, com previsão de aumento para 105 a 120 milímetros. O próximo mês também deve registrar temperaturas mais frias, com junho e agosto dentro da média estadual. As mínimas, ainda, poderão ser negativas em Pelotas durante os três meses. Na publicação do centro, pesquisadores estimam que, com esta maior frequência de frentes frias, também devem aumentar as variações de temperaturas ao longo do trimestre. As máximas devem ficar entre 18ºC e 19ºC em junho e agosto, e para julho é esperada máxima de 16,5ºC a 17,5ºC. O estudo é baseado no comportamento climático dos últimos meses, com dados obtidos junto com o Instituto Nacional de Meteorologia e do National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa).
Amigos no caminho
A Associação Amigos do Caminho surgiu em outubro de 2016. “No dia 9 de outubro fizemos o primeiro café da manhã”, recorda a servidora pública Ingrid Estrella, 40, uma das fundadoras do projeto. Ela explica que a entidade busca se desvencilhar do rótulo assistencialista. “A gente também faz encaminhamentos, internamos usuários de drogas, cuidamos do controle de natalidade, buscamos escolas para jovens”, exemplifica Ingrid. O atendimento não é limitado apenas a moradores de rua, e sim para todas as pessoas em vulnerabilidade social.
As atividades vão de terça a domingo. Nas terças, se reúne um grupo de terapia para usuários de droga com o auxílio de duas assistentes sociais. Nas quartas, o jantar é servido às 18h30min; também são oferecidos corte de cabelo, banho com toalhas e roupas limpas, manicure, além de atendimentos com assistente social e médico. Nas quintas, uma atividade lúdica junto com o jantar. “A gente sempre convida algum músico, algum artista, pra mostrar o poder transformador da arte”, explica Ingrid. Às sextas também é servido jantar.
Aos finais de semana, no sábado é distribuído um sopão nas ruas da cidade, e no domingo elas percorrem os mesmos caminhos para distribuir o café da manhã.
Plantão de doações
A Amica está sempre precisando de doações de alimentos, roupas e produtos de limpeza para manter o funcionamento de todas as atividades. Para isso, foi organizado entre os voluntários um plantão para receber os mantimentos de quem quiser ajudar:
Quarta-feira
A partir das 15h30
Quinta-feira
A partir das 15h30
Sexta-feira
A partir das 15h30
Dinheiro
Para doações em dinheiro, podem ser feitos depósitos bancários com os seguintes dados:
Banco do Brasil
Agência: 2950-5
Conta corrente: 25437-1
Itens para doação
- Alimentos
- Roupas
- Produtos de limpeza
Endereço
Andrade Neves, 2.184. (entre as ruas Major Cícero e Doutor Cassiano)
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