Saúde
Cerca de cem maternidades podem fechar no Estado
Decisão do governo gaúcho em regionalizar os partos toma como base dados de mortalidade infantil, que demonstram que o risco de os bebês morrerem é 12 vezes maior em hospitais de menor porte e estrutura limitada
Cerca de cem hospitais - onde nascem em torno de sete mil bebês, por ano, no Estado - devem deixar de realizar partos. A medida, que tem dividido opiniões, volta à pauta hoje em encontro da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), em Porto Alegre. Pela manhã desta segunda-fera (17), representantes do governo do Estado sentam com lideranças das 22 regiões que já se mostraram favoráveis à regionalização dos partos. À tarde, será a vez de a equipe da Seção Estadual de Saúde da Criança e do Adolescente buscar o convencimento das outras oito regiões, que têm se manifestado contrárias ao fechamento das maternidades.
“Temos que ter coragem de encarar. É preciso fazer o enfrentamento político de uma coisa que é totalmente técnica”, afirma a coordenadora da Seção, Eleonora Walcher. Com a Resolução que está em debate, em vigor, só poderão se manter em atividade as estruturas que realizam, pelo menos, 365 partos por ano. A exceção só será aberta em seis ou sete vazios assistenciais do território gaúcho, em que o parâmetro para manter as unidades em funcionamento cairá para 200 partos por ano, para evitar que as gestantes dessas áreas tenham de viajar mais de 50 quilômetros para dar à luz seus filhos.
É o caso de municípios, como Santa Vitória do Palmar, em que a Santa Casa de Misericórdia permanecerá com a maternidade aberta, como referência às vitorienses e também às grávidas da cidade de Chuí, no extremo Sul. O mesmo ocorrerá com Jaguarão, na outra fronteira com o Uruguai, em que a estrutura seguirá ativa para evitar longos deslocamentos e será referência, claro, a municípios como Arroio Grande e Herval.
São regramentos que se justificam - destaca a pediatra, que desde 2004 analisa dados de mortalidade infantil e materna no Estado e afirma: “O risco de crianças morrerem é 12 vezes maior em hospitais que realizam menos de cem partos, por ano, e precisamos perseguir as condições para um parto adequado”, enfatiza. E acrescenta: muitas das mortes não ocorreriam por incompetência dos profissionais, mas por ausência absoluta de uma equipe básica de prontidão: obstetra, pediatra e anestesista.
“É uma dança de profissionais correndo de um lado pro outro”, resume. Médicos que, não raro, oneram a folha de pagamento das instituições hospitalares para permanecer de sobreaviso e, quando acionados, ainda têm de viajar para atender as pacientes, condenadas à espera. Isso sem falar em outras questões estruturais, como a falta de estoque de sangue para situações de hemorragia e de gerador de energia elétrica, fundamentais para garantir a qualidade e a segurança assistencial da Rede Cegonha - argumenta a pediatra, em defesa da regionalização.
A regionalização na pauta
A posição da Famurs - O presidente Luciano Pinto vai direto ao ponto: “Espero que o governo tenha sensibilidade de recuar”. E, ao fincar posição contra a Resolução que está por vir, o prefeito de Arroio do Sal fala em impacto financeiro aos municípios - com transporte e diárias -, mas destaca principalmente os prejuízos sociais às gestantes. “Deixaremos de humanizar o atendimento. A grávida não terá a chance de ter seu filho na sua cidade nem perto dos profissionais que realizaram o pré-natal”, rebate o presidente da Famurs.
Luciano Pinto também aproveitou a conversa com o Diário Popular para relembrar o atraso no repasse de verbas do governo do Estado, que deveria em torno de R$ 404 milhões aos municípios gaúchos, em recursos de atenção básica; dívidas que se arrastam desde 2014.
A palavra do Conselho das Secretarias de Saúde - O tema precisa ser amplamente discutido, lembra o presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Cosems), Diego Espíndola, de Piratini. O fato de aproximadamente 70% dos secretários - das 497 cidades gaúchas - serem novos nos cargos eleva a necessidade de aprofundar as discussões. “É muita informação para pouco tempo”, admite. Mas enfatiza: a regionalização e as taxas de mortalidade infantil - que justificam a tomada de decisão do Estado - precisam ser discutidas como política pública de saúde e não encaradas como ação isolada de governo; argumentou Espíndola, ao mediar os diferentes posicionamentos entre as 30 regiões que integram o Cosems.
A pactuação da Zona Sul - Os municípios da Zona Sul já se manifestaram favoráveis à regionalização dos partos. “Estamos convencidos da necessidade de organização das referências. Por isso, debatemos esse tema há anos e fomos a primeira região a elaborar um Plano de Ação da Rede Cegonha”, destaca a presidente da 21ª Região do Cosems, a secretária de Saúde de São Lourenço do Sul e e ex-secretária municipal de Pelotas, Arita Bergmann.
Um documento já foi, inclusive, entregue ao governo do Estado com três propostas ao texto da futura Resolução: nos períodos de crise, em que eventualmente ocorra a interrupção das atividades de uma das maternidades - como registrado recentemente em São Lourenço - não deverá haver o fechamento de fronteiras; isto é, os hospitais que extrapolem os limites geográficos da regionalização devem absorver as gestantes. “Quando a Santa Casa permaneceu com a maternidade fechada, Camaquã não queria aceitar as nossas grávidas. Isso não poderia ocorrer”, defende Arita.
O pagamento de incentivos feitos pelo governo estadual para melhorar o valor das Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs) deveria valorizar o parto normal. A terceira proposta da 21ª Região sugere que o governo assuma o custeio do transporte intrarregiões.
Em Arroio Grande, luta será para manter a maternidade
A decisão está tomada: a direção da Santa Casa de Misericórdia irá lutar para manter a maternidade aberta, ainda que, oficialmente, fora da pactuação a ser firmada em breve. “Não fomos procurados até agora. Não sabemos o que vai ocorrer, mas vamos lutar para ficar”, garante a superintendente Renata Carriconde, ao falar em nome da instituição com 110 anos de história.
A nutricionista ainda sustentou: “Este é um anseio da comunidade. Não queremos que as nossas gestantes fiquem sofrendo na estrada. Elas precisarão ser recebidas e bem atendidas”.
A superintendente ainda lembrou que, nos últimos tempos, as maternidades de São Lourenço e de Canguçu interromperam os serviços, enquanto a Santa de Casa de Arroio Grande permaneceu de portas abertas. Hoje, o hospital realiza uma média de 15 partos por mês; todos pelo SUS. A estrutura conta com cinco leitos de maternidade.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário