Avanço
Comitê irá promover igualdade racial dentro da prefeitura de Pelotas
Assinatura do decreto ocorreu na Fenadoce com a apresentação dos representantes de cada secretaria que integrará o órgão
Carlos Queiroz -
Pelo Censo do IBGE, em 2010, a população negra de Pelotas (pretos e pardos) representava 10% da população total. Mesmo que se tenham passado 12 anos, já na época era possível perceber que esse percentual não condiz com a realidade. Basta pesquisar sobre os vários movimentos negros que existem no município e o quanto se luta por igualdade racial, tema principal da cerimônia realizada na tarde desta quarta-feira (15) no estande da prefeitura, na Fenadoce. Na ocasião, a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) assinou o Decreto 6.524, que institui o Comitê Municipal de Promoção da Igualdade Racial. O órgão - ligado ao gabinete da prefeita - atuará de forma interna, trabalhando ações em cada uma das secretarias.
De acordo com o titular da Secretaria de Cultura (Secult), Paulo Pedroso, que irá presidir o Comitê, o órgão surge da necessidade das demandas da comunidade negra, muito discutidas dentro do Conselho Municipal da Comunidade Negra e por outras entidades, como o Povo de Terreiro. Paula explicou que a Secult foi escolhida para presidir o órgão por ser a pasta com mais políticas públicas voltada ao combate do racismo. "Nós fomos provocados pelo Poder Legislativo, provocação oriunda de uma preocupação com o tema, e tivemos aqui nesse espaço, que serviu para uma causa tão bonita, que é a saúde (vacinação contra a Covid-19), a expressão violenta e injusta do racismo", disse a prefeita.
Segundo a chefe do Executivo, em um primeiro momento a proposta é combater o racismo institucional que possa vigorar dentro da administração pública. O desafio é promover na administração da prefeitura a ideia, o conceito e o valor da igualdade racial. Em um segundo momento, é debater com as demais instâncias, que já militam por essa causa, políticas públicas para a cidade. Pelo decreto, o órgão vai assessorar, articular e acompanhar programas, ações e projetos relativos ao combate e prevenção ao racismo e à intolerância. O Comitê deve desempenhar ainda a capacitação de servidores e professores da rede municipal de ensino e propor estratégias comunicacionais para divulgação referente ao problema social.
Carla Ávila é professora de Sociologia do Centro de Ciências Sociais e Tecnológicas da UCPel e do Monsenhor Queiroz, além de tutora do curso de Licenciatura em Filosofia EAD da UFPel. Ela considera importante a iniciativa que vai olhar para a parcela da população que ainda tem alguns direitos negados quando se fala em igualdade racial. Para Carla, mesmo nos dias atuais, com avanços em relação a crimes raciais, dados estatísticos ainda apontam que a comunidade negra é a parte mais atingida em desigualdade ou desvantagem. "Percebemos que o grande impasse para a promoção da igualdade racial no território brasileiro são o racismo estrutural e o racismo institucional", observa. Para a pesquisadora, são três frentes de atuação para mudar o cenário: o auxílio na articulação dos grupos e a relação deles com o poder institucional, o espaço para a denúncia e a fiscalização de todas as políticas.
Também fazem parte das atribuições do Comitê implantar ações que visem à alteração do quadro assimétrico de nível de empregabilidade, de condições de trabalho e de remuneração decorrente da raça das pessoas, opinar sobre processos e condutas relacionadas ao racismo institucional e à intolerância praticados por servidores públicos municipais no exercício de suas funções, dentre outras ações.
Construção
Representantes da comunidade negra de Pelotas, ouvidos pela reportagem, divergem em suas opiniões, embora o questionamento comum seja sobre a efetividade das ações a serem tratadas pelo Comitê. O convite para o lançamento, por exemplo, causou estranheza ao professor de sociologia do IFSul, André Luís Pereira, que integra a comissão de reestruturação do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Pelotas. "Os diversos segmentos do movimento negro estão dispostos a construir um diálogo diante da pauta antirracismo e para a formação desse Comitê a sociedade civil não foi consultada", reclama. Segundo a prefeita Paula, neste primeiro momento as demais instâncias não foram consultadas por se tratar da realização de ações internas da administração pública.
O impasse gerado com o lançamento do Comitê remete às demandas apresentadas em novembro de 2021 ao Executivo e que até hoje não tiveram resposta. Pereira lembra que, em uma reunião virtual, foi citada a possibilidade da criação do Comitê. Entre as demandas que ficaram sem respostas, duas estão relacionadas ao cumprimento da Lei 10.639, que inclui no Ensino Básico da rede municipal de educação a história da cultura afrodescendente, além de dados censitários da população negra de Pelotas.
Materialização
O presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB Pelotas, advogado Fábio Gonçalves, considera importante a criação da pasta que trata de temas como diversidade racial em uma cidade considerada exemplar para a análise de processos discriminatórios. "A ideia é, em si, de amparo, de inclusão, de avanço social. Nos preocupa, no entanto, a forma como esse Comitê vai encaminhar seus trabalhos. Entre as competências da pasta, estão planejar, organizar, avaliar e executar as atividades e ações públicas em promoção da igualdade racial, os quais terão caráter intersetorial e transversal, afim de garantir a unidade da ação política dos vários órgãos municipais."
Para o ex-presidente do Conselho da Comunidade Negra, é vital o amplo debate popular para a construção de ações contra o racismo. "A parte mais afetada deve ser ouvida e acolhida, para que se materializem as ações públicas." Gonçalves concorda que houve algum avanço na luta antirracial, mas considera que ela está aquém do que deveria e deixa claro que a OAB é parceira de todas as ações. Ele foi uma das pessoas convidadas a dar palestras para a equipe que forma o Comitê e espera que sua experiência com o tema se reverta em práticas diárias.
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