Lutas e conquistas
Comunidade trans do RS celebra conquistas neste Dia Internacional da Visibilidade Trans
Desde o início do mês, trans e travestis sem condições de arcar com os custos do processo podem realizar a mudança gratuitamente
Divulgação - DP - Data busca conscientização acerca da luta e da discriminação sofrida por transgêneros e travestis
Nesta sexta-feira (31), o Dia Internacional da Visibilidade Transgênero intensifica, ao redor do mundo, a discussão sobre os desafios enfrentados pelas pessoas trans e também celebra a importância da diversidade. Neste mesmo mês, no Rio Grande do Sul, a comunidade trans deu mais um passo na conquista de direitos. Desde o início de março, está valendo a gratuidade da mudança de nome e gênero para pessoas que não têm condições de arcar com os custos do processo. Em 2022, 194 pessoas realizaram a retificação do registro civil no Estado, registrando um aumento de 28% em relação ao ano anterior.
Advogado que atua na defesa de direitos humanos, Diogo Garcia, explica que a medida, vigente em todo o território gaúcho, garante que a emissão dos documentos necessários para a mudança de nome seja gratuita para pessoas trans e travestis que possuam a declaração de hipossuficiência (impossibilidade de arcar com taxas e custos exigidas). “Para fazer a retificação, são necessários documentos extraídos em diversos órgãos públicos e, a maioria deles, foi se conseguindo a gratuidade. O último que faltava era a certidão negativa de protestos, que é para ver se a pessoa tem alguma dívida”, explica. Cerca de 16 documentos diferentes, que envolvem questões judiciais, criminais, eleitorais e cíveis são requisitados para fazer a mudança.
Garcia relembra que as conquistas neste sentido vieram aos poucos. Em 2018, o primeiro avanço foi a mudança do pedido, que passou a ser realizado diretamente em cartórios, sem a necessidade de processos judiciais e laudos médicos. “O direito ao nome e à identidade é constitucionalmente previsto. A partir do momento que o fornecimento é cobrado, direitos são violados. Essa é uma grande conquista", avalia. A mudança foi conquistada através do trabalho da ong gaúcha Somos junto ao Tribunal de Justiça do Estado.
Em Pelotas, o Conselho Municipal de Direitos da Cidadania LGBTQIA+ também comemorou a medida. “É uma conquista social e a comunidade comemora muito porque, no passado, isso não seria possível. Sabemos que muitas pessoas nunca fizeram a mudança por não terem o dinheiro”, comenta uma das dirigentes do conselho, Janete Flores. Ela comentou, ainda, que o grupo está se organizando para encontrar as pessoas que podem fazer a mudança de forma gratuita para fazer um mutirão de retificação.
Direito de ser quem é
Para as pessoas transgênero, a mudança do nome e gênero nos documentos é um diferencial para a convivência social. A estudante e social media Mariana Martins, 24, que fez a retificação do nome no início deste ano, conta que a mudança foi libertadora. “Era muito incomodativo e frustrante ter que apresentar um documento com o nome morto. É uma sensação de liberdade saber que não vou precisar lidar com isso”, comenta. Como o processo é recente, Mariana ainda está trocando todos os documentos, processo que traz mais alívio em cada etapa. “Estou começando a sentir [a mudança] aos poucos. Cada vez que eu troco algum documento e deixo o nome antigo para trás, parece que é um peso que se alivia”, comemora.
A felicidade é confirmada pela mestra em história, Miranda Brandão, 41, que já vive com o nome retificado há mais ou menos um ano. Segundo ela, até a chegada rotineira das contas de casa traz uma sensação de autonomia. “Retificar é tornar certa e justa a nossa identidade de gênero. É a sensação de que ninguém vai poder apontar o dedo e dizer que essa não sou, que esse não é meu nome”, reflete. Para Miranda, a mudança garante um respeito que o nome social, por exemplo, não consegue garantir. “O nome social é um direito nosso, mas não é uma garantia de que ele vai ser utilizado. As pessoas não sabem lidar com a discrepância entre os documentos”, avalia.
Dificuldades apesar dos avanços
Enquanto as vitórias são comemoradas, também é necessário continuar refletindo e lutando. Mariana conta que a gratuidade é uma vitória para a comunidade já que ela, por exemplo, chegou a gastar R$400 para fazer a retificação. “São custos pequenos que somam um valor grande. Considerando que a população trans é a mais desempregada, cada dez ou trinta reais é um valor muito alto”, comenta. A estudante conta que levou cerca de um mês para reunir os documentos necessários e avalia que a emissão poderia ser facilitada. “São documentos que se tira de sites e órgãos diferentes, até com datas de validade diferentes. Eu consigo entender a quantidade de documentos que eles pedem, mas não a dificuldade de ir atrás de tudo”, avalia Mariana.
Para Miranda, as mudanças ao longo dos anos são inegáveis, mas o processo ainda tem espaço para melhora. “Antes a gente precisava de laudos médicos para comprovar que éramos transgênero e entrar com um processo judicial. Hoje em dia é mais rápido e facilitado, mas o processo ainda é muito burocrático e não é adaptado à grande maioria das pessoas que precisam desse serviço”, observa.
Em Pelotas, através do e-mail [email protected], é possível buscar orientações junto ao Conselho Municipal de Direitos da Cidadania LGBT+. Na internet, através do link arpenbrasil.org.br/wp-content/uploads/2022/07/Transgeneros.pdf, a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) também disponibiliza uma cartilha com a lista completa de documentos necessários para a mudança e outros detalhes sobre o processo.
Dados
Rio Grande do Sul
2021: 152 procedimentos de alteração de gênero
2022: 194 procedimentos de alteração de gênero
Brasil
2022: 3.165 procedimentos de alteração de gênero
2021: 1.863 procedimentos de alteração de gênero
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