Barreira
Despreparo ainda dificulta atendimento de saúde adequado para pessoas trans em Pelotas
Apesar de avanços, comunidade ainda relata episódios de preconceito em serviços de saúde
Foto: Rodrigo Chagas - Ascom - Da empatia à informação, acolhimento passa por reeducação
Nos últimos meses, a implementação do segundo ambulatório destinado para atendimento de pessoas transgênero em Pelotas e a liberação para realização de cirurgias de redesignação sexual no Hospital Universitário da Universidade Federal de Rio Grande (HU/Furg) são motivos de orgulho para a comunidade trans, que luta constantemente por mais direitos. No entanto, as conquistas não garantem o atendimento adequado às necessidades das pessoas trans, que ainda dependem do preparo e acolhimento de profissionais da saúde.
Em Pelotas, atualmente, qualquer Unidade Básica de Saúde (UBS) é porta de entrada para que pessoas recebam acompanhamento especializado em um dos Ambulatórios Trans do Município, um da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e outro da Beneficência Portuguesa. Segundo a Prefeitura, todas as equipes das UBSs foram capacitadas para encaminhar a população trans aos ambulatórios. Na prática, a comunidade ainda relata despreparo e preconceito nos atendimentos.
A ativista da causa LGBTQIA+ em Pelotas, Sophia Prestes, que já é atendida no ambulatório da UFPel, relata a experiência de mulheres no início da transição. “As meninas me ligam frustradas porque foram ignoradas, ou os médicos nem sabiam do que se tratava o ambulatório trans e como fazer o encaminhamento”, relata. Ela ressalta que nem todas as unidades são assim, mas que o problema ainda é recorrente. “Falta informar a sociedade e os médicos de que esse serviço existe, que nossas identidades têm que ser respeitadas. A gente precisa que, se as pessoas não saibam lidar, pelo menos saibam para onde encaminhar. É frustrante estar começando a mudar a tua vida, querer um acompanhamento e, justamente onde tu vai procurar, eles não sabem te receber”, observa.
Desafios no atendimento e na formação
O endocrinologista Jivago Lopes, que atua no ambulatório trans da UFPel, confirma que ainda são muitos os relatos de despreparo na área da saúde por parte dos pacientes. “Grande parte dos profissionais, assim como a maioria das instituições, não possuem preparo adequado para atendimento qualificado de pessoas trans”, comenta.
A mudança, no entanto, pode começar pela educação. Lopes, que também é professor, avalia que é importante levar o tema para dentro das universidades. “Em Pelotas esse movimento iniciou há pouco tempo, mas hoje já está incluído no programa da endocrinologia da UFPel, Furg e UCPel”, observa. Para ele, é fundamental discutir o assunto. “Nós tentamos qualificar profissionais para atendimento empático, independentemente do gênero. Entretanto esse reforço positivo e estímulo à curiosidade dos alunos sobre o tema traz à tona a discussão. Ao meu ver, o primeiro passo é discutir e, a partir de então, abordar questões práticas do cotidiano e da vivência médica”, finaliza.
A importância do acolhimento
A enfermeira Jana Neves, que já trabalhou em UBS e hoje está à frente do Núcleo de Gênero e Diversidade (Nugen) da UFPel, avalia que o despreparo e a falta de cuidado ao receber a comunidade trans, nos serviços de saúde e em outros espaços, perpetua um ciclo de micro agressões que essas pessoas sofrem ao longo da vida. “Na UFPel, por exemplo, a gente acolhe os alunos no início do semestre. Temos todo esse cuidado porque sabemos que a transfobia acontece. Precisamos nos colocar no lugar das pessoas, ter empatia”, observa.
Durante o trabalho na rede de saúde, a enfermeira confirma a frustração de muitas pessoas ao acessar o serviço. “Às vezes elas chegam esperando um atendimento e as pessoas realmente não estão preparadas, ou não querem estar”, comenta. Jana conta que era comum o constrangimento por situações que, com empatia e acolhimento, seriam resolvidas facilmente, como o uso do nome social. Segundo ela, muitas pessoas chegam ao serviço de saúde sem documentos retificados e, enquanto a troca de documentos não pode ser feita nas UBSs, é possível fazer um cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) utilizando o nome social. “Sempre explicava que podia fazer o cartão do SUS com nome social. Pra mim era uma coisa simples, que em 30 segundos resolvia, não fazia diferença nenhuma na minha vida, mas a pessoa se emocionava, chorava e agradecia”, exemplifica.
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