Patrimônio

Em reduto da arte, interdições e dúvidas

Em setembro de 2012, o comprometimento do piso, afundado, forçava a decisão: portas cerradas

Paulo Rossi -

O apelo está na fachada: Conservatório de Música aguarda recuperação. Do lado de dentro, as respostas. O Salão Milton de Lemos, reconhecido pela qualidade acústica, está interditado há quase quatro anos. Ao invés de receber música, arte e aplausos, só guarda silêncio. Ao fundo do corredor, novo alerta: salas 5 e 6 interditadas. Favor não entrar. É outro cenário desolador, em meio à espera e às dúvidas que se prolongam em mais de dez meses de negociações com a Reitoria da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). São duas obras emergenciais. Duas situações longe de solução. Não o suficiente para acabar com o ânimo de professores e funcionários que lutam, há anos, para ver este Patrimônio Cultural do Estado efetivamente valorizado.

"Precisamos lutar para arrumar o que temos", resume a diretora Leonora Oxley Rodrigues. E há pressa. Uma ânsia que os fez investir todas as reservas arrecadadas pela Associação dos Amigos do Conservatório, além de verbas geradas por atividades de Extensão, na tentativa de agilizar a reforma do telhado das duas salas. Calhas e treliças de madeira prontas. Funileiro e serralheiro pagos. Cerca de R$ 16 mil aplicados. Projeto pronto com o apoio dos arquitetos Helenice Macedo do Couto, da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Pelotas (Aeap), e Armando da Costa, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Faurb). E uma grande incerteza: quando a recuperação do telhado irá ocorrer? Não há resposta concreta.

E, o pior: enquanto a obra não é priorizada, não há apenas dois ambientes a menos para ministrar aulas. O Laboratório de Ciências Musicais, onde são digitalizadas partituras, fica sem espaço. O Centro de Documentação Musical, onde são preservadas memórias desde os tempos da época da idealização da escola, também precisou ser transferido. O material está acomodado na Agência da Lagoa Mirim, em área longe de ser a ideal.

Dos dois cômodos, enquanto as atividades não voltam, as últimas referências são de barulhos no forro, divisórias tortas e vidros quebrados.

De sala de concertos a depósito
Em setembro de 2012, o comprometimento do piso, afundado, forçava a decisão: portas cerradas. Até hoje, não há espetáculos. Não há distribuição de programas musicais. Não há público. O Salão Milton de Lemos que entrou para o roteiro de personalidades, como o violinista francês Jacques Thibaud, acolhe apenas ensaios eventuais de estudantes. E, enquanto o restauro não vem - sem a transferência do Sanep do térreo do sobrado -, a sala de concertos vira depósito: cadeiras empilhadas, armários e caixas no chão. Uma cena de entristecer quem já viu formações com os três pianos de cauda em execução. "É uma perda impagável", resume o professor e pianista Guilherme Goldberg.

E sem o Milton de Lemos vivo, a gurizada beneficiada com o projeto Ópera na Escola acaba por receber as atividades em auditórios de suas instituições ou em outros espaços da UFPel. É outro motivo a lamentar. Ao longo dos anos, a iniciativa se transformou em mais uma ferramenta para desmistificar a ideia de que o Conservatório é reduto de elite ou só de composições eruditas. E mais, destaca a vice-diretora, a professora Magali Richter: mesmo nos quase 19 anos em que funcionou como instituição particular - de setembro de 1918 a maio de 1937 -, uma média de 10% das matrículas era reservada à gratuidade. Está registrado no livro História iconográfica do Conservatório de Música da UFPel, de 2005.

Solução definitiva: um caminho longe do fim
A permuta dos prédios entre a UFPel e a prefeitura, que permitiria ao Conservatório ocupar todo o Casarão da esquina das ruas Félix da Cunha e 7 de Setembro - e não apenas o andar de cima, como ocorre desde a fundação, há 97 anos - está longe do fim. Não existe previsão de data para se efetivar. É uma demora que preocupa. É o mesmo que anunciar: o Salão Milton de Lemos, que deveria exalar arte, permanecerá fechado. Para restaurar o piso em madeira - um dos responsáveis pela acústica elogiável -, o Sanep precisa, primeiro, mudar de endereço.

Na manhã da última sexta-feira, o diretor-presidente da autarquia, Jacques Reydams, confirmou: não há espaço interno para realocar as equipes e viabilizar a obra. Só há um caminho: a permuta; uma negociação que se arrasta. Há anos. O desafio, portanto, é de que a solução chegue até o final de 2016, quando se encerram os dois mandatos: o do reitor Mauro Del Pino e o do prefeito Eduardo Leite (PSDB). Confira o andamento atual:

- UFPel: o pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento, Luiz Osório dos Santos, assegura que a equipe está empenhada em encontrar a solução até o final desta gestão. "Espero logo poder dar uma boa notícia." O alvo neste momento, entretanto, está direcionado a outro prédio do governo federal, no perímetro central, já cedido à UFPel e em fase de adaptação para uso. Contatos com a Superintendência de Patrimônio da União buscam a doação definitiva do imóvel à UFPel, para que, em um segundo passo, pudesse ser entregue à prefeitura, que abriria mão do prédio que abriga o Conservatório.

A possibilidade de a antiga sede do Ibama - ainda sob posse da União - virar local ao Sanep, como foi anunciado, está praticamente descartada. "É uma transação muito difícil", admite. A UFPel precisaria aplicar em torno de R$ 3,5 milhões para colocá-lo em condições de abrigar a autarquia municipal. Na sequência, ainda precisaria restaurar o sobrado da Félix da Cunha, para tirar do papel o projeto que criaria novas instalações ao Conservatório, que passaria a contar com mais salas de aula, espaços destinados ao coral e à orquestra e ainda poderia investir mais pesado nas atividades da Extensão e inaugurar um memorial.

Para quem teme o que está por vir, diante de tanta demora e indefinição, o pró-reitor garante: "Temos interesse máximo em resolver essa situação". E vai além: "A história do Conservatório tem identidade e se constitui, inclusive, a partir da ocupação daquele espaço e não pode ser apartado dele". É o que, realmente, se espera.

- Executivo: o secretário de Cultura, Giorgio Ronna, seguiu a mesma linha e assegurou: nunca foi nem será plano do governo tirar o Conservatório de Música do Casarão. E, logo, enfatizou por que: "O Conservatório, em si, é um patrimônio da cidade e aquele prédio também. É uma relação histórica que merece ser consolidada com a entrega do prédio".

- Sanep: o diretor-presidente, Jacques Reydams, voltou a destacar a importância de a autarquia manter-se localizada em perímetro central, para facilitar o acesso dos usuários. Hoje, o Sanep gasta mais de R$ 11 mil, por mês, de aluguel para poder estender parte dos setores à construção ao lado do sobrado, tombado pela prefeitura em 1985.

Fincado na história de Pelotas
- Ao abrir as portas, em 18 de setembro de 1918, o Conservatório transformava-se na primeira instituição oficial fundada especialmente para o ensino da música em Pelotas, a segunda no Rio Grande do Sul e a quinta entidade do gênero no Brasil.

- Para a criação da UFPel, em 1969, foi necessário que diversas instituições da cidade, responsáveis por cursos de ensino superior, se reunissem. Foi o caso do Conservatório de Música, que se tornou, então, unidade agregada à Universidade Federal.

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