Direito

Filmes no cinema para quem, afinal?

Deficientes auditivos ainda lutam para conseguir ter acesso a obras adaptadas

Gustavo Mansur -

Eles consomem cultura, apreciam produções cinematográficas e nadam contra a corrente em um contexto que não favorece a inclusão. Discussão levantada formalmente há mais de 11 anos, a acessibilidade da comunidade surda como público no cinema brasileiro tenta o impulso em campanhas nacionais e manifestações em redes sociais, mas até hoje pouco avançou. Sem legendas para animações e filmes produzidos no país, os deficientes auditivos contam com elas apenas em sessões estrangeiras - geralmente limitadas aos últimos horários do dia.

“Eu queria ver Que horas ela volta? no cinema e não pude”, relata Márcia Duarte. Deficiente auditiva, a auxiliar administrativa aprendeu a gostar de cinema com o avô e aprecia a arte desde pequena. Hoje, em um momento de tantos avanços tecnológicos, sente-se excluída pela falta de acessibilidade. Há dois anos, vivenciou uma de suas histórias mais marcantes, quando um dos cinemas da cidade exibiu uma série de produções nacionais ao longo do dia. Com sessões no meio da tarde, era realmente inviável assisti-las por conta do horário que coincidia com o expediente de trabalho. No entanto, ficou claro que deficientes auditivos em geral não poderiam compor o público pela falta de legendas.

Assim, eles esperam a chegada dos filmes em DVD ou Blu-ray para garantir o acesso. Algo que o professor, jornalista, cartunista e escritor, Diogo Souza, não considera inclusão. Apaixonado por filmes, ele lamenta que as redes de cinema não abram espaço para sugestões dos que não ouvem e, por isso, luta em nome da campanha Legenda Nacional - Legenda para quem não ouve, mas se emociona, idealizada em 2004, pelo pernambucano Marcelo Pedrosa.

Legislação x Realidade
A legislação brasileira prevê o direito de acesso aos meios de comunicação às pessoas com deficiência. A obrigação é adotar recursos técnicos para garantir a acessibilidade. Ao constatar a situação atual do país, através de um inquérito aberto pelo Ministério Público Federal, foi aberta uma ação civil pública contra a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e dez distribuidoras de filmes que atuam no Brasil.

Na rede do Cineflix, um dos que atende o município de Pelotas, a explicação é de que a ordem vem “de cima para baixo’’. De acordo com o gerente de marketing da empresa, Juliano Tortelli, as próprias distribuidoras entregam os filmes brasileiros e animações sem legendas. E enquanto as decisões não são firmadas, o que permanece é a aposta no futuro. “Ainda tenho esperança de que todos os meios de comunicação façam essa inclusão para nós, surdos”, diz a assistente administrativa, Elisa Cavalheiro.

Na memória de Elisa, o comportamento relutante e carinhoso dos pais de não assistir O tempo e o vento na telona permanece. “Eles queriam ver, mas relutaram por eu não poder acompanhar”, completa.

E as histórias não param por aí. Houve uma época em que Pelotas tinha apenas o Cinema Capitólio como opção, passando por muito tempo apenas filmes dublados. Por este motivo, Lawrence Farias, de 31 anos, se deslocava até Porto Alegre para assistir os filmes. Cinéfilo, ele diz que se sente acostumado com a situação atual.

A solução para a inclusão
Nas teclas das sugestões que melhorariam a inclusão, quem bate também é o servidor público e secretário da Associação dos Surdos de Pelotas (ASP), Jean Michel Farias. Ele explica que a legenda disponível nos filmes estrangeiros é um recurso pensado e voltado para os ouvintes. O surdo pode, muitas vezes, fazer o uso dessa “acessibilidade”, mas dificilmente irá usufruir de forma completa. Neste caso, ela seria melhor aproveitada se fosse de modo descritivo, como na legenda oculta da televisão aberta. Ela permitiria, por exemplo, a identificação de quem fala em cenas repletas de personagens, além de descrever os sons que ocorrem no momento.

Mesmo sem disponibilizar o formato no cinema, o filme nacional “O Palhaço”, ao sair em DVD, chegou ao mercado com esta opção. Exemplo de acessibilidade quase completa do ponto de vista de Jean. Para demonstrar o ideal, descreve o recurso, exibido em apenas um cinema em São Paulo, no filme Reza a lenda: legenda descritiva, audiodescrição, janela com tradução descritiva e interpretação em Libras. Assim, toda a diversidade da comunidade surda estaria incluída, pelo fato de muitos terem Libras como primeira língua.

Em fase de adaptação
De acordo com assessoria de impressa da Ancine, em dezembro de 2014, entrou em vigor a Instrução Normativa nº 116, publicada pela Ancine, que regulamenta as normas gerais e critérios básicos de acessibilidade que devem ser observados por projetos audiovisuais financiados com recursos públicos. Também reafirmou, em sua Agenda Regulatória para 2015/2016, o compromisso de regulamentar os dispositivos que permitem o acesso a bens audiovisuais por pessoas com deficiência visual e auditiva. Um grupo de trabalho foi criado com o objetivo de analisar o impacto no mercado da implementação dos recursos de legendagem descritiva/oculta, Libras e audiodescrição no segmento de exibição cinematográfica. O processo, no entanto, ainda está em fase de elaboração da norma sobre o tema.

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