Extrativismo
Há saída longe da pesca?
Comunidade da Z-3 conta com poucas propostas de alternativas econômicas
Jô Folha -
Fotos: Jô Folha
É com um suspiro profundo diante do ancoradouro do Canal da Divineia lotado de barcos parados - e vazios - que Alessandro da Rosa, 42, tenta encontrar saídas para a crise que se instalou na Colônia de Pescadores Z-3, no 2º Distrito de Pelotas. Pescador desde os 14 anos, lamenta a cena à sua frente. Lembra dos bons tempos em que o local era movimentado com a chegada e a saída de embarcações cheias de camarão.
Não é só a saudade da pesca abundante que faz Alessandro suspirar e parar o olhar diante da água. É também a preocupação com as contas que se acumulam. Há mais de uma semana sem pescar, hoje ele segue o caminho de tantos outros que precisam recorrer a qualquer oportunidade temporária que surja. "Faço um bico aqui, ajudo em uma obra ali. É o jeito para tirar pelo menos o dinheiro da comida e respirar um pouco no fim do mês." Conta que nem mesmo o trabalho da esposa está sendo alternativa para ajudar no orçamento doméstico, já que ela também é pescadora. "Me acompanha, vai para a água comigo, pega junto. Mas sem safra, vamos fazer o quê?", lamenta.
E essa é a pergunta que parece cada vez mais difícil de responder. Uma das mais tradicionais comunidades pesqueiras do Estado, formada há quase cem anos, a Z-3 tem em sua raiz o extrativismo. O que, na opinião da coordenadora do Núcleo de Pesca Artesanal da Emater e da Câmara Técnica do Conselho Gaúcho de Pesca, Ana Spinelli, não pode ser deixado de lado. "Não há como pensar em alternativas para essas pessoas que não levem em conta a pesca na lagoa. Imaginar que é possível viver de outra atividade é acabar com a sabedoria e a cultura de um povo", analisa.
Frequentemente apontada como uma possibilidade de driblar a escassez de pescado, a aquicultura e a piscicultura poderiam ser aplicadas na colônia como complemento ao extrativismo, acredita Ana. Porém, nada disso adianta sem um processo educativo capaz de engajar as 720 famílias de pescadores que vivem no local. "Há um modo de vida. E isso não se muda de uma hora para outra."
O ápice da má gestão da pesca
Já se vão quatro anos desde a última vez em que o camarão era artigo farto na Colônia Z-3. Desde 2012, quando houve safra recorde e foram capturadas seis mil toneladas do crustáceo, a escassez só se agrava. Linguado, corvina e até mesmo o bagre, outras espécies que geravam renda, também sumiram. Não fosse a tainha, a crise que já é enorme seria ainda pior.
Doutor em Oceanografia Biológica e professor da pós-graduação em Aquicultura da Furg e Biologia Animal da UFPel, Ricardo Robaldo não tem dúvidas. Mais do que o clima e o regime de chuvas, o principal fator a atrapalhar os pescadores é o descontrole da atividade.
"Estamos vivendo o ápice da má gestão da pesca. A atividade predatória, sobretudo de pesqueiros industriais, resultou nisso", afirma o pesquisador. A cada temporada, embarcações principalmente do Rio de Janeiro e Santa Catarina atuam livremente na foz da Lagoa dos Patos. O resultado: em uma captura, cada barco chega a levar até 200 toneladas do produto que, no fim das contas, deixa de abastecer os pescadores artesanais pelotenses.
Por conta dessa barreira que impede a captura do peixe aqui na Z-3, Rudinei Rodrigues, 40, está contrariado. "Tinha prometido nunca mais pescar no oceano. Mas não teve jeito, esse ano fui obrigado a buscar corvina em Rio Grande para ter algo", conta. Com esposa e dois filhos que dependem do seu trabalho, diz que atualmente não consegue ganhar mais do que R$ 100,00 por semana com os peixes. Bem diferente da média acima dos R$ 600,00 de outros tempos.
Não existem projetos
Jaldete Mattos, 60, cozinha para fora há 30 anos. Falando assim talvez você não conheça. Mas basta falar no restaurante da Dona Deti e muita gente vai ficar com água na boca. Junto com o filho Jair, 36, ela administra o ponto que em períodos mais movimentados chega a servir 90 refeições caseiras por dia. O que lhe dá a certeza do potencial turístico da Z-3.
"As pessoas gostam de vir aqui, visitar a colônia, comprar seu peixe e comer bem. Mas, me diz: quem vai se deslocar com frequência para cá tendo que encarar essa estrada horrorosa?" Dona Deti tem razão. Para chegar à comunidade localizada a 20 quilômetros do centro da cidade o visitante precisa andar por pelo menos seis quilômetros de pista sem pavimento, penando entre a poeira (ou barro) e os buracos.
O secretário de Desenvolvimento Rural (SDR), Jair Seidel, reconhece que a má qualidade do acesso à Z-3 é um atraso para a comunidade. E dá um alento aos 3,1 mil moradores. "Ano que vem será asfaltada. A prefeitura está em busca de financiamentos internacionais. É a principal melhoria a ser feita naquela região para estimular o turismo e o consumo nos restaurantes", promete.
Apesar de fundamental, a estrada sozinha não será capaz de mudar a realidade de pobreza da colônia. É consenso entre pescadores, técnicos, pesquisadores e a própria prefeitura de que é preciso investir em projetos capazes de gerar renda permanente e, principalmente, nas entressafras. Porém, na prática, nada além de ações pontuais, como as feiras de pescado, está em andamento. No papel, a SDR tem a intenção de reativar a fábrica de gelo e a agroindústria. Mas ambos são projetos diretamente ligados à necessidade de boas safras, o que não vem ocorrendo.
E o potencial turístico destacado por dona Deti? Se depender de estudos e programas, tão cedo a exploração desta capacidade não será aproveitada. Na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sdet), ainda não há propostas concretas para a colônia. "Queremos discutir com a comunidade através de grupos setoriais, com a participação deles. Iniciativas como estas dependem muito do interesse das pessoas de empreenderem e agirem neste setor", justifica o secretário Fernando Estima. Nem mesmo dentro do curso de Turismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) existem pesquisas relacionadas à Z-3.
Cativeiros podem ajudar a recuperar potencial
Se o caminho viável é o peixe e o camarão e extrair estes produtos está cada vez mais difícil, o jeito é investir na criação em cativeiros. Tanto o pesquisador da Furg e UFPel quanto a coordenadora do Núcleo de Pesca Artesanal da Emater têm uma certeza: em cinco anos é plenamente possível voltar a abundância na colônia de pescadores.
"Hoje existem estudos e tratativas ainda em fase inicial para licenciar moradores locais a produzir dentro de uma estrutura de criação, conforme padrões estabelecidos pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural, através de uma parceria com a Emater, a UFPel e a prefeitura", informa Ricardo Robaldo.
Com a garantia mínima de pescado para venda e um rígido controle do que é capturado na lagoa, em poucos anos a capacidade produtiva na Z-3 estaria recuperada. O que, segundo Ana Spinelli, é a saída mais correta para que Alessandro, Rudinei e todos os pescadores artesanais não passem mais dificuldades. "Mantê-los extrativistas como sempre foram é o melhor indicativo de como estão nossos recursos naturais. Com manejo sério e sustentabilidade, não faltará peixe e ninguém precisará abandonar suas raízes econômicas e culturais", assegura.
A Z-3 em números
POPULAÇÃO
3.166 habitantes (0,94% do total de Pelotas)
RENDA
41,3% entre ½ e 1 salário mínimo x 21,6% da média municipal
16,6% entre 1 e 2 salários mínimos x 22,7% da média municipal
32,4% não têm rendimento
ALFABETIZAÇÃO
89,8% x 96,1% no total do município
Fonte: IBGE
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