Preocupação
Instituições de ensino sobem o tom contra governo federal
Citando "calote" após bloqueios financeiros, instituições recorrem a diversos órgãos e temem parada de serviços básicos à comunidade
Foto: Carlos Queiroz - DP - Mandatários das instituições e pró-reitores se pronunciaram em coletiva
Por Lucas Kurz
Com tensão visível estampada nos rostos, as gestões da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Instituto Federal Sul-Riograndense (IFSul) fizeram um pronunciamento conjunto na tarde desta terça-feira (6) para explicar a situação financeira caótica que vivem, os impactos a curto prazo e as saídas que serão buscadas. No final da tarde, estudantes realizaram um ato no largo do Mercado Público para pedir providência. Já os mandatários pedem socorro a órgãos como Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e outras frentes políticas, como Prefeitura, Câmaras de Vereadores e de Deputados e Assembleia Legislativa.
Em diversos momentos do pronunciamento, que durou uma hora, a palavra "calote" foi usada. Isso porque as instituições consideram que, após o governo aprovar o empenho de valores em novembro, mas secar as contas em dezembro, impedindo o pagamento, esse é o cenário. Tentando explicar aos alunos, que não vão receber as bolsas de extensão e auxílios já neste mês, a reitora da UFPel, Isabela Andrade, lamentou a falta de perspectivas por enquanto. Já o reitor do IFSul, Flávio Nunes, explicou que é necessário direcionar-se também à sociedade, já que há impacto direto em outros segmentos, como atendimentos à população e pagamentos de aluguéis e alimentação, por exemplo.
Em termos de número, O IFSul tem prejuízo de em torno de R$ 7 milhões, enquanto a UFPel é de cerca de R$ 6 milhões, em uma conta que cresce diariamente. "Nós temos tratado isso como um grande calote do governo federal frente às nossas instituições federais de ensino superior", dispara Isabela. O pró-reitor de planejamento e desenvolvimento da universidade, Paulo Ferreira, diz que a situação é chocante. "Toda a assistência estudantil está comprometida em dezembro, todos os contratos, da luz ao terceirizado, estão comprometidos em dezembro. Absolutamente todas as despesas."
Pedido por apoio e demais atitudes
Diversas bolsas, programas de assistências, como moradia, além das contas, não serão pagos. "Não temos recursos para absolutamente nenhuma quitação dessas dívidas que a gente contraiu", reforça Ferreira. A pró-reitora de assuntos estudantis, Rosane Brandão, pediu que a sociedade tenha solidariedade pela precariedade e ineditismo do que está acontecendo. "Nunca, jamais, na história da nossa cidade, vivemos uma situação como essa (...) é dramática", lamenta.
Os reitores dizem que associações e órgãos estão trabalhando em mobilizações. Entre as ações, a UFPel criou um comitê de crise, iniciando uma série de agendas a serem cumpridas. Durante a tarde desta terça, já foi recebida pela prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), expondo o impacto que os cortes causam na economia local. O MPF, através do titular da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, também reuniu-se em formato híbrido com os reitores de todas as instituições federais, às 15h. "Está sendo pensado algumas formas de a gente acionar judicialmente tudo o que tange essa questão dos estudantes", explica Isabela.
A UFPel também acionou a DPU, através da defensoria dos Direitos Humanos, o qual irá receber os reitores nesta quarta à tarde. Antes, pela manhã, as instituições de Pelotas irão se reunir com representantes das imobiliárias para explicar o impacto que os cortes podem ter no pagamento de aluguéis. O Conselho Diretor da UFPel também foi convocado para reunião na quinta-feira pela manhã. O comitê também solicitou audiências públicas com a Câmara de Vereadores e a Assembleia Legislativa do Estado, segundo a reitora.
Ao Diário Popular, Isabela disse que a reunião serviu para formalizar a situação. O procurador vai viajar a Brasília, onde deverá haver uma definição sobre entrar com uma ação coletiva ou diversas ações pontuais das universidades, nos seus estados. Já o reitor do IFSul, disse que o Ministério da Educação e o Ministério da Economia serão acionados e, a partir das respostas, será definido se terá uma ação civil-pública contra o governo federal. "Isso aconteceu em todos os 27 estados. Talvez haja uma coisa mais organizada em nível nacional para fazer esse ajuizamento", pondera.
Outras frentes que podem sofrer
Segundo Ferreira, a pró-reitoria de pós-graduação está acompanhando a questão das bolsas. Sobre as ligadas à Capes ainda não havia uma certeza - ao final da tarde, uma nota confirmou que o órgão também sofreu contingenciamento. Já as vinculadas diretamente à UFPel não serão pagas enquanto não houver reversão dos cortes. A prestação diretamente na saúde pode ser atingida, já que a UFPel gere o Hospital Escola e diversas Universidades Básicas de Saúde. "Isso atinge os residentes (...) e a gente não sabe o que esperar, se eles vão interromper ou não. Sem residentes, um Hospital Escola tem dificuldades para funcionar", reforça.
Quanto aos insumos da saúde, ele diz que não devem faltar, já que o repasse do governo federal é via Município. No entanto, pode haver cortes de energia, caso não seja feito o pagamento das contas. A UFPel tem de 60 a 80 contas de energia elétrica e, nos próximos dias, deverá reunir-se com a CEEE Equatorial para pedir maior prazo. "São muitos detalhes, muitas contas, muitos empenhos e a gente vai descobrindo a cada hora", desabafa. O Restaurante Universitário (RU), a princípio, não deverá ser afetado em dezembro.
Já Nunes diz que preocupa-se também com os terceirizados, que ficarão sem repasses e, com isso, podem acabar deixando de pagar os salários para seus trabalhadores. "A gente sabe que muitas empresas não têm capital de giro para manter durante três meses sem receber", aponta, relembrando que há cláusula requerendo esse fluxo de caixa nas empresas, mas que é algo muitas vezes não cumprido.
Alunos realizam manifestação
No final da tarde, estudantes realizaram uma manifestação no largo Edmar Fetter, no Mercado Central. Com palavras de ordem contra o governo e pedindo união dos estudantes, muitos ali temiam pela continuidade dos próprios estudos. Vinda de Criciúma (SC), Maria Leonor Feijó, 22, estudante de Pedagogia, conta que já conseguiu pagar o aluguel deste mês graças a serviços que acabou fazendo por fora. Porém, sem os R$ 500 do auxílio para aluguel e sua bolsa de pesquisa, que entrou este mês por ser via CNPQ, ela vive no aperto. Não vai ter como voltar para casa no final do ano e a alimentação é apenas no RU.
Já o caso da Olívia Guimarães, 21, estudante do terceiro semestre de Zootecnia, é ainda mais dramático. Vinda de Palmas (TO) ela demonstrava bastante nervosismo. "Eu preciso desse auxílio. É muito importante para mim", explica, dizendo que, com as economias que tinha, pagou o aluguel este mês. No entanto, agora não terá como fazer a ceia de Natal que planejou para a família, nem terá como comprar passagem de volta do retorno para casa no final do ano _ a ida já foi adquirida anteriormente. A jovem ainda não teve coragem de contar para a mãe sobre a situação atual. "Ainda bem que a gente tem o RU que está aí sempre apoiando a gente, pelo menos estou conseguindo me alimentar", comenta.
Já o Diretório Central dos Estudantes (DCE), que convocou o ato, representado pelo estudante Victor Oliveira, disse à reportagem que irá tentar organizar-se com a gestão da universidade e outros órgãos estudantis para mobilizar a comunidade e pressionar pela reversão. Nesta quinta, às 18h, o DCE e categorias dos servidores devem realizar uma assembleia no prédio da Faculdade de Direito.
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