Intolerância
Mãe acusa escola de preconceito religioso em Canguçu
Yalorixá conta que tanto ela quanto a filha já foram vítimas de desrespeitos por conta de sua ligação com a umbanda
Foto: Divulgação - Evento ocorreu em novembro
Por Lucas Kurz
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Uma mãe de Canguçu acusa a escola (*) em que sua filha estuda de intolerância religiosa. Natália Paulsen, Yalorixá, aponta que, por conta de sua ligação com a umbanda, a filha recebe tratamento desrespeitoso por parte de funcionários e estudantes da instituição municipal de ensino. Além disso, diz que ela própria foi vítima de desrespeito quando convidada para participar de um evento sobre a cultura africana - mesmo sendo branca - e proibida de "falar sobre macumba". A Prefeitura negou haver tratamento diferenciado por questões religiosas na rede pública da cidade.
Ela diz que, por ser de uma religião praticada por uma minoria na cidade, as perseguições tornaram-se constantes. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, apenas 0,11% da população é umbandista em Canguçu - apenas 63 pessoas se autodeclararam seguidores da religião. Por isso, Natália diz que isso afeta até na rotina de retirada do lixo de casa. "Mas teve um momento que começou pegar minha filha", revela. E aí os problemas tornaram-se piores.
Ela conta que, ao longo dos anos, a pequena, hoje com oito anos, sofreu diversas agressões, diretas ou veladas. Algumas, na sua opinião, foram para forçar a menina a trocar de escola. "Chegaram a me ludibriar, me mentir, de que se eu transferisse ela de escola ela seria avançada de ano." No início do ano, diz que o argumento para trocá-la de escola era que a menina tinha um atraso. Após isso, a mãe obteve laudo psicológico mostrando a capacidade da criança sendo acima da média, o que também se tornou motivo para propor a transferência.
Ela diz que notou o aspecto religioso da perseguição com a menina quando a criança de apenas oito anos começou a se sentir pressionada e falar sobre cristianismo. "Culminou com minha filha chegando em casa, se ajoelhando e dizendo 'mãe, eu tenho que rezar muito, eu tenho que rezar muito, tenho que tirar o mal que tá dentro de mim, o ódio dentro que tá dentro de mim'". Apesar de ser uma escola pública, ela diz ser comum ter palestras e cultos evangélicos no local, mas não de outras religiões. "Eu nunca fui tratada como uma líder religiosa dentro da escola", lamenta.
A gota d'água
No final de setembro, ela resolveu denunciar. Natália conta que foi convidada para participar do 5º Festquilombola e queriam que ela dançasse. "Até, a princípio, não levei para o lado ruim da coisa (...) aí falaram que eu não poderia falar de 'macumba', que os pais da escola não gostavam." Sendo uma mulher branca, ela disse ter estranhado, afinal, sua única ligação com o tema da festa é a religião de matriz africana. No seu site, a Prefeitura descreve o evento como parte do dia da Consciência Negra, "reunindo as comunidades quilombolas, escolas e demais membros da comunidade. O dia de festa destacou a cultura Afro com apresentações, exposição de produtos e a 1º Mostra da Beleza Negra. Além de debate sobre temas relacionados aos direitos e políticas da pessoa negra."
Após o convite, foi pedido que ela passasse de sala em sala explicando aos alunos que sua participação no evento "não ia ter nada a ver com macumba." Ela diz que, mesmo assim, viu a oportunidade de trabalhar o tema do racismo religioso no evento, mas pediram que ela adiasse o dia da passagem - para uma data posterior ao fim das inscrições do evento - pelas salas para evitar o contato com uma professora. "[disseram] 'ai, pode te ofender de alguma forma, te agredir verbalmente de alguma forma (...) porque ela não gosta da tua religião.'". À noite, uma pessoa da escola fez contato dizendo que tinha sido pressionada pelo grupo escolar a desconvidá-la. Neste momento, ela decidiu fazer o boletim de ocorrência.
Exposição
Ela relata que, quando foi à delegacia, uma funcionária da escola tentou lhe dissuadir da denúncia. Agora, em fevereiro, Natália diz que escolheu expor o caso após a falta de soluções práticas. Ela fez uma transmissão ao vivo no Facebook dando sua versão dos fatos. Após a live, o DP conversou com ela e teve acesso ao boletim de ocorrência. Neste mesmo dia, ela contou que havia recebido a informação de que a filha tinha conseguido uma vaga para transferir-se, a seu pedido, à rede estadual de ensino.
Argumentos da Prefeitura
A reportagem entrou em contato com a secretária de educação do Município, Fernanda Jardim Barbosa da Fonseca. Por mensagem, ela disse estar a par do assunto. A reportagem pediu para realizar uma entrevista sobre o tema, mas ela deixou de responder e atender às ligações. Por meio de nota, a assessoria de comunicação da prefeitura negou haver tratamento diferenciado por questões religiosas na rede pública. Confira, na íntegra, o que diz o texto:
"A condução da Secretaria Municipal de Educação, Esportes e Cultura é sempre na construção de uma cultura de respeito e convívio harmônico entre todas as cores, crenças e religiões, especialmente porque Canguçu se caracteriza por uma grande diversidade étnica na sua formação. Conforme preconizado tanto na BNCC [Base Nacional Comum Curricular] quanto na RCG [Referencial Curricular Gaúcho], trabalhamos de uma forma ampla todas as religiões em nossas escolas, promovendo reflexões sobre os fundamentos, costumes e valores existentes na sociedade, com atividades que estimulem o diálogo e respeito entre todos."
"Em relação a problemas que acontecem em nossas escolas, tanto com relação a questões religiosas como demais assuntos, os mesmos são averiguados e esclarecidos de forma a buscarmos o entendimento entre os envolvidos. Quanto aos fatos apontados pela denunciante, enfatizamos que não há qualquer diferenciação de tratamento da aluna em relação às crenças religiosas da família."
O que dizem as autoridades?
O delegado responsável pelo caso, Geovane Klipel, informou que o caso é conduzido em sigilo e, por isso, não dará detalhes, não podendo inclusive confirmar a procedência ou não das denúncias. Algumas pessoas serão ouvidas no decorrer do inquérito. Já o Ministério Público, através do primeiro promotor de Justiça de Canguçu, Marcio Saalfeld Pinto Ferreira, disse que o registro foi feito pelo órgão e agora aguarda o retorno da investigação policial e que uma posição só será emitida após o retorno do inquérito.
(*) A pedido de Natália, para fins de preservação, a reportagem não mencionou os nomes da escola, da criança, nem os cargos dos envolvidos ligados à escola.
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