Saúde Pública

Mais de 3,4 mil pessoas aguardam consulta com urologista em Pelotas

Fila por cirurgias também não tem data certa para acabar; drama dos pacientes já repercute na Câmara de Vereadores, com pedidos de informação

Volmer Perez -

Está tudo documentado. Desde outubro de 2021, o pintor Jairo Lapschies, 50, aguarda consulta com urologista. Quase um ano depois, a situação segue a mesma: não há previsão de ser atendido. E o caso não é isolado. Dados da Secretaria de Saúde de Pelotas confirmam o acúmulo: atualmente, 3.425 pessoas esperam por atendimento com o especialista e 285 já estão na fila da cirurgia urológica. A angústia dos pacientes repercute na Câmara de Vereadores, com pedidos de informação para verificar oficialmente o cenário, identificar as razões da demora e saber quais medidas podem ser adotadas pela prefeitura.

O prognóstico não é nada animador. Em resposta a questionamentos do Diário Popular, a secretária de Saúde, Roberta Paganini, admite não haver previsão de nenhuma ação exclusiva para agilizar os atendimentos em urologia no momento. "Os hospitais de Pelotas não possuem capacidade operacional para aumentar o número de consultas e cirurgias dessa especialidade", justifica. E garante: "O município continua atuando para aumentar a oferta aos pacientes pelo Sistema Único de Saúde".

Os números não deixam dúvida de que o fluxo atual é insuficiente à demanda. Apenas 20 consultas estão contratualizadas, por mês, com o Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel). A partir deste contato inicial com os pacientes, a instituição avalia a disponibilidade das equipes médicas para realização das cirurgias, com prioridade aos quadros mais graves. De janeiro a agosto deste ano, por exemplo, foram efetuados 135 procedimentos pelos profissionais do HE. E, na tentativa de dar vazão à fila, outras 12 cirurgias estão contratadas, por mês, com a Santa Casa de Misericórdia através do programa Saúde Ativa.

Desconforto só aumenta e preocupação também

O diagnóstico está fechado desde 20 de agosto de 2020, em plena pandemia. O morador do Py Crespo, Jairo Lapschies, 50, havia percebido as primeiras alterações no testículo direito ainda em 2019, mas acreditava que era algo passageiro, que desaparecia sem tratamento. Engano. Hoje, o desconforto só aumenta. A hidrocele - que é o acúmulo de líquido dentro do escroto, em volta do testículo - se agrava.

A perspectiva inicial de que uma punção seria suficiente está descartada. Agora, apenas um procedimento cirúrgico resolverá a situação. "Às vezes, parece que tem um troço rasgando. É bem desagradável. Não consigo nem usar mais calça de brim. Tenho que ficar só de abrigo, pra não apertar", conta. E mais: o inchaço e as dores trazem consequências diretas ao orçamento da família. As duas atividades profissionais se tornaram inviáveis enquanto a solução não vem. Impossível subir em andaimes e ficar no agacha e estica para atuar como pintor. Na secagem de arroz, nos engenhos, o uso de uniforme com material rígido e a necessidade de carregar peso também inviabilizam a atuação.

"Não tenho condições de trabalho", reitera. Para tentar garantir o auxílio-doença, Lapschies já ingressou na Justiça, realizou perícia em fevereiro e ainda aguarda o laudo para saber se terá direito ao benefício. "É um horror a gente não ter previsão de nada, de forma concreta. Olha a situação que o brasileiro enfrenta. A saúde tá um horror. Depois que eles ganham, se esquecem da gente", desabafa. Enquanto isso, ele aguarda consulta e cirurgia com urologista.

Sem cuidado especializado, quadro se agrava

O endereço aponta ao Residencial Eldorado, no Pestano, e o drama se repete. Andréa Ramos Cruz, 42, já não sabe a quem recorrer. Medicação para dor na Unidade Básica de Saúde (UBS) União de Bairros, gerenciada pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Idas ao Pronto-Socorro. Consultas no Pronto Atendimento do Capão do Leão, onde a filha mora. E a solução permanece distante.

Os exames pagos pela filha e o genro, na ânsia de acelerar o diagnóstico, comprovam: há cistos nos dois rins. O maior no lado direito, com 9,4 centímetros. O outro, no esquerdo, mede - ou media - 3,2 centímetros. Detalhe: a ultrassonografia abdominal, que ajudou a explicar o porquê das dores intensas e do sangramento na urina, foi realizado em 24 de março. "Fico apavorada, né. Daqui a pouco pode agravar. Agora, além do urologista, o pessoal do postinho tá me encaminhando com urgência, também para um nefrologista para fazer uma ressonância", afirma. "É muito ruim essa espera. Tô há um ano nessa correria e têm noites que eu passo em claro. Isso me assusta", enfatiza.

E a preocupação não se refere apenas à retirada dos cistos. Andréa também aguarda cirurgia nas duas pernas, para evitar que as varizes se transformem em trombose. A avaliação, entretanto, é de que a situação dos rins precisa ser priorizada. "Tenho enjoos diários. Tenho uma dor local horrível, me dá até falta de ar. Precisei aumentar a dosagem do remédio pra depressão, este ano, para conseguir me acalmar", admite. "Quando vou na Secretaria pra saber se tem novidades, eles só me dizem que eu sou mais uma na espera. E eu preciso do SUS. Tô sempre em função de um remédio, de um exame. É muito difícil. Se Pelotas não tem recurso pra resolver, por que não mandam pra outro município?"

E qual a possibilidade real de melhora?

Uma das possibilidades para agilizar os atendimentos é a montagem de um serviço de urologia na Beneficência Portuguesa - adianta a secretária de Saúde de Pelotas, Roberta Paganini. Para que o projeto se torne realidade, entretanto, a compra de um equipamento é imprescindível. E apesar de a instituição ter sido contemplada com a verba, através do projeto Avançar RS do governo do Estado, o repasse só poderá ser liberado após o período eleitoral.

Na prática, portanto, a espera de milhares de pacientes não tem data certa para acabar. "Ainda não é possível indicar um prazo para solucionar a questão", admite a secretária. Embora aposte na instalação do futuro serviço como alternativa para atender a justa reivindicação da comunidade.

Confira o total de cirurgias realizadas no HE-UFPel
* Em 2022:
- Janeiro: 10
- Fevereiro: 15
- Março: 20
- Abril: 16
- Maio: 23
- Junho: 18
- Julho: 16
- Agosto: 17
Total: 135

Repercussão no Legislativo 

Um segundo pedido de informações deve ser protocolado, hoje, na Câmara para esclarecimento do cenário da urologia; um dos mais preocupantes da saúde pública em Pelotas. O documento será apresentado pela vereadora Carla Cassais (PT), com sete questionamentos, que passam por pontos como número de pacientes afetados e o cumprimento de critérios legais para definição dos casos prioritários.

"Pedimos informações, providências sucessivamente e as soluções, quando acontecem, são muitos lentas", sustenta Carla. "Por isso, acompanhamos com bastante preocupação a situação da saúde em Pelotas, especialmente na atenção básica. Os problemas são em diversas especialidades, muitas desde a pandemia, mas que com planejamento adequado já poderiam ter sido resolvidos".

O outro pedido partiu do vereador Michel Promove (PP) e a prefeitura ainda está dentro do prazo para respondê-lo. "Algumas pessoas estão com complicações há mais de um ano e a saúde tem que ser tratada como prioridade. Sabemos que as cidades estão enfrentando demandas maiores do que a oferta, mas temos que ir em busca de uma solução", reforçou Promove.

Ambos mencionaram a procura pelos gabinetes dos parlamentares como um termômetro para o nível das dificuldades, já que é ali, no Legislativo, onde não raro a população bate para tentar ver seus direitos constitucionais respeitados.

 

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