História
O Brasil de 200 anos de independência, mas que busca por autonomia
Especialistas apontam educação, tecnologia e inovação como caminhos para país assumir protagonismo
Divulgação -
Há 200 anos o Brasil conseguia sua independência da Corte Portuguesa e conquistava autonomia política, em meio a conflitos, atos heroicos e a participação de todas as classes que queriam ver seu país soberano. O grito de Dom Pedro I, às margens do riacho Ipiranga, virou símbolo de uma política sem intervenções. Economicamente, no entanto, o país pagou caro (leia mais em o que foi o Sete de Setembro).
Dois séculos se passaram e, apesar dos avanços, o Brasil segue, em alguns setores, pouco independente. Por aqui, segue-se exportando produtos do setor primário e importando artigos industrializados. O que, com a pandemia iniciada em 2020 e, mais recentemente, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, mostrou que o país, mesmo com potencial, está à mercê de nações mais desenvolvidas. Vacinas, máscaras, e mais recentemente, insumos agrícolas, mostram isso. Para buscar as alternativas que possam levar o Brasil deste bicentenário da Independência a não ser tão dependente em algumas áreas, o Diário Popular conversou com especialistas que apontam possíveis caminhos.
Soberania ambiental
Desde a independência, a soberania brasileira foi um dos pilares essenciais da nova comunidade política que se estabelecia. Para o consultor de Relações Internacionais e colunista do DP Cezar Roedel, o processo sedimentou a busca dos interesses nacionais permanentes, uma finalidade política e a defesa da integridade do território brasileiro. “Com o reconhecimento internacional da independência brasileira, a defesa da nova soberania passou a ser a tônica e, desde então, o Brasil não sofreu mais a ingerência de potências estrangeiras”, analisa.
No entanto, Roedel lembra que há atualmente uma relativização em relação à Amazônia, que é brasileira. “Algumas potências têm trazido a discussão da internacionalização da Amazônia, o que seria uma ingerência descabida, com os olhos nas riquezas de nosso solo.” Para o especialista, muitas vezes a pauta ambiental tem sido usada para pressionar o país, embalada pelos interesses de produtores internacionais com receio da competitividade brasileira no cenário global, o que acaba sendo uma ingerência indireta.
Quando o assunto é economia, o consultor afirma que a dependência entre países é condição praticamente obrigatória e característica do processo de globalização. Na medida em que cada nação possui suas vantagens competitivas, estabelece suas relações comerciais. No caso do Brasil, pode estar atrelado a insumos básicos ou de tecnologia. Para Roedel, a vantagem competitiva brasileira é o agronegócio e, por isso, o país ainda possui alguma dependência relativa com a Europa principalmente em máquinas e equipamentos. “Depender não significa qualquer prejuízo à soberania, se não, apenas a necessidade de se mitigar o risco de algum tipo de dependência absoluta.” Depender apenas em algumas áreas significaria, assim, o resultado da interdependência complexa.
Conforme o doutor em Economia Aplicada pela UFRGS, professor de Economia da Faculdade de Agronomia da UFPel e coordenador do Laboratório de Economia Regional, Gabrielito Rauter Menezes, a crise entre Ucrânia e Rússia indica que, mesmo o setor primário, corre riscos. “A crise econômica, política e militar provocada pela guerra expôs a dependência do Brasil em insumos agrícolas com países de fora. Para ter uma ideia da importância disso para a produção agrícola, é que o país depende do exterior mais ou menos 80% dos fertilizantes.”
A grande questão para ter autonomia, pela análise dos especialistas, está na competitividade, já que o país tem todas as matérias-primas para produzir os insumos necessários. “Talvez a guerra venha a chamar a atenção para a necessidade de investirmos na produção de fertilizantes dentro da economia brasileira. E como vamos conseguir isso? Através de pesquisa”, diz Menezes. Para o especialista, com investimento em educação e pesquisa, o Brasil teria condições suficientes de produzir produtos com valor agregado e partir para a competição. Tornar-se menos dependente.
Mais indústrias para mudar o cenário nacional
“Se comenta que o Brasil troca caminhão de soja por Iphone”, diz o superintendente de Inovação e Desenvolvimento Interinstitucional da UFPel, Vinícius Farias Campos, que também integra o Conselho Administrativo do Parque Tecnológico de Pelotas. O especialista conta que nos anos 80 a industrialização era mais forte, com 35% do PIB do país. Atualmente o setor contribui com 22% do total, transferindo grande parte da produção industrial para países asiáticos. Não só os asiáticos, mas quando surgiu a pandemia ficou explícito que a área da saúde não sobrevive sem o mercado estrangeiro. Desde a importação de máscaras cirúrgicas até a vacina, tudo vem de fora. “Nossa grande necessidade hoje é voltar a industrializar para melhorar o aspecto econômico e social.”
A alternativa para Campos, reforçando o posicionamento de Menezes, é apostar em ciência, tecnologia e inovação. A UFPel, neste sentido, já investe nesta área. Considerada como um dos quatro pilares associados ao ensino, pesquisa e extensão, a universidade instituiu a sua Política Institucional de Inovação. Além do programa de Bolsas de Iniciação Tecnológica para alunos na área de inovação, mantém a incubadora Conecta. Com isso, um sistema facilitador de patentes também foi lançado para aumentar a rapidez do registro das tecnologias. Atualmente a UFPel totaliza seis contratos de transferência de tecnologia, 24 acordos de cooperação com empresas e tem quatro planos de inovação aprovados no Catalisa ICT.
Parcerias
Para quem já desenvolve pesquisa em parceria com indústrias garante que esta seria a jogada para o país mudar sua postura no cenário nacional. O professor da Biomedicina, Engenharias e do Mestrado em Engenharia Eletrônica e Computação da UCPel, Everton Granemann Souza, conta que ambas as áreas estão muito distantes. Um dos fatores é a universidade em geral, que por questões de tradição, trabalha bastante, produz, publica artigos de qualidade, no entanto tem pouco vínculo com a indústria. “A gente importa porque falta essa integração com a indústria, editais que fomentem essa iniciativa são poucos também, além do dinheiro do governo para pesquisa voltada para o setor”, considera o professor.
Na Europa e nos Estados Unidos a parceria entre pesquisa e indústria existe há muito e com investimentos pesados do governo. Por isso que fabricantes Apple, IBM, Siemens e General Electric dominam o mercado das tecnologias, sendo as duas últimas as principais fabricantes de mamógrafos e equipamentos de ressonância magnética, encontrados em hospitais e clínicas brasileiras.
O que foi o Sete de Setembro?
O grito de Independência, às margens do Ipiranga, contada nos livros de História do Ensino Fundamental, vai muito de um ato heroico de Dom Pedro I. A colônia de Portugal começou a dar seus primeiros passos à conquista da soberania com a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, fugida das investidas de Napoleão. Mergulhado no enorme potencial da terra nas américas, D. João VI fez grandes investimentos e melhorias na estrutura do país, como a abertura dos portos a nações amigas e, claro, o incremento de tráfico de pessoas escravizadas. O Brasil ganha status de reino empolgando colonos brasileiros, principalmente a elite que vislumbra o lucro através da exportação de alimentos para a Europa. Mas os rumores de que o Brasil pudesse voltar à condição de colônia de Portugal, a partir da Revolução Liberal do Porto, em 1820, aguça os ânimos de diferentes classes, inclusive de escravizados que, iludidos por seus donos, acreditam que a independência pudesse significar liberdade.
Convocada a Corte em Portugal - onde brasileiros faziam parte - os chamados liberais portugueses exigiam a volta de D. João VI para a Europa, e ainda mais, entre as reformas políticas, estavam o retorno do Brasil à condição de Colônia de Portugal, incluindo a perda do monopólio brasileiro, conquistada a partir da abertura dos portos. Pressionado, o rei volta a Portugal, levando todo o ouro do Banco do Brasil e mais quatro mil passageiros, deixando seu filho, o príncipe regente Pedro, no comando das terras brasileiras. A elite econômica do país dá início a uma série de negociações, conforme as medidas do reino de Portugal vinham sendo adotadas. Até que a exigência do retorno do príncipe regente no começo de 1822 aguça o sentimento separatista. No dia 9 de janeiro de 1822, D. Pedro confirma sua permanência, sendo que a data é considerada o Dia do Fico. Começa então o processo da independência.
Neste cenário, duas figuras foram importantíssimas, como a já citada Dona Leopoldina, e o braços direito de Pedro, José Bonifácio de Andrade, ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de janeiro de 1822 a julho de 1823, além de considerado o patrono da independência. São eles os responsáveis pela assinatura do decreto que tornava o Brasil independente de Portugal. Isto porque quando Pedro precisou ir a São Paulo conferir de perto uma revolução, deixou Leopoldina como regente. A mulher que sempre se interessou por questões políticas, teve a missão de abrir as cartas da Corte Portuguesa, nas quais eram revogadas todas as medidas adotadas pelo príncipe, inclusive considerando traidor quem ficasse ao lado de Pedro. Diante da grave situação, a imperatriz decretou a independência do Brasil, no dia 2 de setembro de 1822. Todos esses documentos foram levados por um mensageiro a Dom Pedro que retornava da viagem, com problemas intestinais, e uma mula. Ao ler a papelada, conta a história que ele falou: “Independência ou morte”.
D. Pedro foi aclamado e coroado como imperador do Brasil no dia 12 de outubro. Mas o reconhecimento por outras nações não foi tão simples. Primeiro foram os Estados Unidos, em 1824. Depois a Inglaterra, que por ter interesse estritamente econômicos, convenceu o Brasil a pagar dois milhões de libras a Portugal para ser reconhecido, dinheiro emprestado pelos bancos Ingleses.
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