Dúvida

Precisamos falar sobre o pixo

Entre defender ou condenar a prática, é preciso criar espaços para a discussão sobre ela

Jerônimo Gonzalez -

No silêncio da noite uma mulher precisa vomitar. Cansada da opressão diária, ela não encontra forma de expressar revolta e denunciar o que acontece se não no barulho de uma lata, no muro de espaço onde sofrera abuso e discriminação anteriormente. É crime, ela sabe, mas são tão mais graves as agressões sofridas que a escolha pelo pixo - com x mesmo, não há prisão nem às regras gramaticais - acontece quase naturalmente. Entre defender ou condenar a prática, é preciso criar espaços para a discussão sobre ela.

Mariana - nome fictício - começou a pichar há dois anos. No início misturava frases políticas com poesias, sempre driblando o preconceito e os perigos de uma ação que além de proibida é por vezes tão mal vista quanto um assalto. “Sempre que alguém me vê diz que vai chamar a polícia, me xinga. Eu não faço contato visual, só saio andando, às vezes sem nem finalizar o trabalho. Mas com o coração disparado”, conta. Hoje a poesia cedeu espaço para que a manifestação política ocupasse totalmente seu pixo. “Agora uso só a tinta preta porque é mais agressão. É um sinal de alerta. É um fôlego, um vômito em algum lugar que fui agredida”, finaliza.

Joana - nome também fictício - iniciou em 2013 com frases e tags - assinaturas - e o objetivo desde então é também a expressão, a contestação. “A palavra patrimônio significa aquilo que é do pai. Se um lugar não é mais para mim, é legítimo que eu tome de volta, marque território. A pichação está ali, você tem que ler, só não vê quem não quer. É um incentivo para que as pessoas parem e pensem”, diz. Ela conta que há sempre uma preocupação com o que e onde pichar. “Pensamos em quem vai limpar, se não será uma senhora ou alguém que não tenha dinheiro para isso. E não gosto de pixos que reforcem opressões e estereótipos. Crianças veem aquilo, essa responsabilidade é importante.”

Dois lados
Pós-graduada em Direito Ambiental pela UFPel, a servidora pública Célia Constenla faz parte do grupo de pessoas contrárias à pichação. Ela concorda que não se pode deixar de entendê-la como um protesto, mas pede reflexão. “Penso que seja importante refletir sobre a pichação como efeito e não como causa, pois somente conseguiremos diminuí-la através da educação”, diz, lembrando que o pixo é considerado um crime pela Lei de Crimes Ambientais.

O professor de Filosofia da UFPel, Pedro Moacyr, por outro lado, vê uma espécie de sociologia na ruptura. Para ele, pichações como as que preenchem a fachada do campus do Direito da universidade são a voz de alguém muito oprimido. “Fere a estética de quem determina a estrutura de poder. Não é um ato de loucura. É uma intenção de dizer o que não se tem outro espaço para expressar”, argumenta. Moacyr finaliza pedindo que não se tenha pressa na hora de debater a pichação. “O ódio não combina com educação. E nem o prazer em punir. Melhor o prazer de entender alguma coisa, ou buscar essa compreensão.”

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