Precariedade

Reflexos da crise na saúde

Dos 123 leitos, cerca de 20 estavam ocupados esta semana. Pelos corredores, a penumbra tem um motivo: poupar o gasto com energia elétrica

Fotos: Carlos Queiroz

Saúde não tem preço, mas tem custo. E alguns dos “custos” mencionados nesta clássica frase dita por vários administradores de hospitais pelo país acabam inviabilizando finanças. Este é o caso do Hospital de Caridade de Canguçu, que atravessa uma das maiores crises de sua história.

Nesta semana o Diário Popular foi conferir a situação dramática da casa de saúde do município. O cenário e os comentários no local são de leitos fechados, medicamentos escassos, dívidas, tensão, reuniões e muita incerteza diante da possibilidade ainda presente de colapso.

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Logo na recepção, pedidos para doação de produtos como leite, frango, frutas, verduras, bolachas e papel higiênico. Além da divulgação de uma ação solidária para contribuição de qualquer quantia em dinheiro. Um ofício circular datado de novembro pendurado na parede de um dos corredores já registrava “extrema dificuldade financeira”.

Nas últimas semanas pelo menos três gestores do hospital pediram para ser afastados de seus cargos. O último, o presidente do Hospital, na segunda-feira. Quem assumiu o posto foi a então vice-presidente, a médica Elsie Lara Soto, que deve coordenar a situação pelo menos até as novas eleições para a presidência, previstas para o fim de fevereiro.

Segundo a presidente, o motivo dos afastamentos foram conflitos funcionais. A questão financeira provocou muito estresse. O primeiro a deixar o cargo foi o então diretor-técnico do Hospital, Luiz Ernesto Vargas, que ainda assim continua atuando como médico.

Para Vargas, a situação desesperadora resultou na atitude extrema. “Na fila da reclamação tinha muita gente, mas na de ajudar era pouca.” Hoje, tranquilo e com a hipertensão praticamente controlada, ele vê com bons olhos as mudanças recentes. “Minha saída foi boa porque fez mais gente se mexer e eles precisavam colocar a mão na massa.”

A mudança, aliada a um pacto feito com médicos para auxílio na administração, deu novo fôlego à equipe. Ainda assim, os problemas parecem longe do fim.

De acordo com a presidente, o prejuízo mensal do hospital gira em torno dos R$ 400 mil. A luta é para manter o serviço sendo prestado, mesmo com capacidade reduzida. Elsie atribui a atual situação a uma série de fatores que vão desde atrasos nos pagamentos, a processos judiciais em andamento contra a instituição. Recentemente uma ação de uma pessoa que foi afastada durante a transição após o fim da interdição pelo município, em 2014, resultou no pagamento de R$ 600 mil - sem contar gastos com advogados.

Atendimento
Dos 123 leitos, cerca de 20 estão ocupados (16,2%). No térreo, dos 32 destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), apenas três estavam com pacientes na última quinta-feira. O baixo número de internações, aliado ao cenário de corredores às escuras - para economia de luz -, provoca estranheza em funcionários. A secretária Jaciara do Estreito tenta traduzir o sentimento ao abrir a porta de um quarto vazio. “A gente sente como se corresse atrás de uma máquina parada. Chegamos a ver isso tudo funcionando a pleno. Agora, chega a dar uma tristeza.”

A última compra de medicamentos só foi possível graças ao recurso de R$ 73 mil repassado pela Câmara de Vereadores. Mas eles só durarão um mês se o hospital continuar com as portas parcialmente fechadas. De acordo com a auxiliar de farmácia, Sheila Goulart, se a internação estivesse normalizada, não seria suficiente nem para uma semana.

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O canguçuense Ernaldo Fehlberg acompanhava a esposa, internada, e falou da importância de manter o serviço. “Se fechar vai fazer muita falta porque aqui estamos em casa, evita de ter que ir a Pelotas ou buscar atendimento em outra cidade.” Também acompanhando um interno, Célia Pinto deu à luz três filhas no hospital. “O serviço é fundamental e sempre fomos muito bem atendidos.”

A Secretaria Estadual de Saúde publicou nota no fim de dezembro colocando boa parte da culpa pela situação na má gestão do hospital. Ao ser questionada sobre o tema, a administradora executiva de serviços internos da casa de saúde, Raquel Canez, se disse tranquila quanto à acusação ao confirmar o apontamento. “Claro que o problema é de gestão, quem é que consegue fazer gestão sem dinheiro?”, 

questiona. Ainda assim, ela diz não ver o Poder Público estadual como inimigo. “O governo também está com problemas para gerir as próprias contas, e quem não consegue administrar sempre vai parecer que é mau gestor.”

Busca por ajuda
Canguçu está sob decreto municipal de calamidade pública no setor hospitalar desde dezembro. O decreto assinado pelo prefeito visa garantir a prestação de serviços básicos de assistência no Hospital de Caridade, mas de acordo com a administração da Casa, até o momento não produziu efeito direto.

Há anos o Hospital de Caridade enfrenta dificuldades para manter o serviço ativo. A possibilidade de fechar as portas desencadeou uma série de ações na comunidade na tentativa de ajudar a amenizar a situação.

Entre campanhas de rádio e rifas, representantes de igrejas como Católica, Batista Conservadora, Luterana, Assembleia de Deus, Brasil para Cristo e Evangelho Quadrangular mobilizam ações para arrecadação de fundos.

A Câmara de Vereadores também aprovou na última terça-feira (19), Projeto de Lei que autoriza a prefeitura a firmar convênio com o Hospital. Com isso, cerca de R$ 290 mil devem entrar nos cofres da instituição para atendimento de usuários do SUS em serviços como anestesia, plantão, ginecologia, obstetrícia e pediatria. O valor cobriria os vencimentos relativos aos meses de janeiro e fevereiro.

O Estado garantiu repasse de quase R$ 1 milhão ainda neste mês. O valor viria de pagamento de incentivos estaduais e de um aditivo. Até o momento, apenas R$ 280 mil do montante chegou ao Hospital, segundo a direção.

Quanto ao governo federal, em reunião ocorrida na última quinta-feira entre o ministro da Saúde, Marcelo Castro, e cerca de 140 gestores municipais de Saúde, houve a garantia de repasses dos recursos de todos os meses de 2016.

Mas as preocupações ocorrem com relação ao pagamento do MAC (procedimentos de média e alta complexidade) de dezembro, à possível falta de vacinas para 2016 e às dificuldades de execução das políticas de saúde da atenção básica nos municípios.

De acordo com o ministro, em nota publicada pelo Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems), o déficit desse ano chega a R$ 2,2 bilhões e assim como aconteceu em 2015 os pagamentos do MAC não estão previstos no orçamento novamente esse ano.

Segundo ele, é preciso urgência na adoção de novas fontes de financiamento para a saúde. “O que está funcionando vai continuar funcionando. É fato que é preciso aumentar o teto, habilitar novos recursos, porém com a crise estabelecida não será fácil.”

Ele ressaltou a burocracia para execução das políticas de atenção à saúde que os gestores municipais sofrem diariamente. “É preciso dar ao gestor mais liberdade com a sua equipe para organizá-la da melhor maneira possível.”

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