Saúde

Sem anestesistas suficientes, HE-UFPel deixa de realizar cirurgias eletivas

Procedimentos não têm sido feitos nem entre os pacientes que já estão internados; solução definitiva segue sem previsão de ocorrer

Foto: divulgação - DP - Pacientes aguardam dias por procedimentos

Por Michele Ferreira
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A falta de anestesistas no Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel) segue provocando reflexos. Esta quarta (14) deve ser o quarto dia seguido sem a realização de cirurgias eletivas, só em dezembro, que também foi marcado por transferência de procedimentos em cima da hora, com pacientes inclusive já em jejum. Detalhe: a solução está longe de ser concretizada. É um cenário que angústia as duas pontas: equipe médica e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

O processo simplificado de seleção para escolha de mais seis anestesistas será aberto somente ao longo do mês de janeiro. Até lá a regra deve ser a falta de datas disponíveis para fazer a fila andar. Na maioria dos dias, apenas as cirurgias de urgência e emergência têm sido efetuadas.

Para poder priorizar os procedimentos eletivos - que teoricamente podem aguardar - o hospital precisaria contar com, pelo menos, uma dupla de anestesistas de plantão, o que, na prática, não ocorre. Informações extraoficiais indicam que apenas nos dias 15, 20 e 22 de dezembro haverá dois profissionais de prontidão simultaneamente. E o pior: no começo de 2023 a situação deve permanecer inalterada.

Transferência sim, demanda atendida não
Ao receber a notícia de que seria acolhido em leito hospitalar, depois de permanecer oito dias no corredor do Pronto-Socorro de Pelotas (PSP), Paulo Alexandre Vieira de Borba, 40, deveria comemorar. Ao chegar no HE-UFPel na tarde do último sábado, todavia, a família recebeu a confirmação que temia: não havia previsão para a cirurgia ser realizada.

A esposa de Paulo, Alexandra Duarte Ribeiro, 42, já procurou a Ouvidoria do hospital para solicitar transferência a outra instituição que possa agilizar o atendimento. "Ele precisa de uma cirurgia pra tirar a vesícula. O próprio pessoal não entendeu por que nos mandaram pra cá, se não tem previsão de poderem nos atender", lamenta. "Ele ficar aqui parado, além de poder pegar uma infecção, ainda tira o lugar de outra pessoa que poderia estar tratando outra coisa", reitera.

E desabafa: enquanto a demanda não é efetivamente atendida, o marido mantém uso de medicação para dor e enjoos e fica com o alerta ligado para evitar desidratação. Desde que confirmou o diagnóstico de inúmeras pedras na vesícula, Paulo Alexandre já perdeu cerca de 15 quilos.

Entre os residentes, misto de preocupação e pressão emocional
Os dez residentes dos dois primeiros anos de Cirurgia Geral já cogitam abandonar o programa e solicitar transferência para continuar a formação em outros municípios. A hipótese foi oficializada em carta encaminhada à direção do HE, à Gerência de Ensino e Pesquisa e à Comissão de Residência Médica (Coreme). "Não se forma cirurgião sem teorias e sem práticas. É uma situação que está deplorável e sem solução", afirma um dos médicos, ao conversar com o Diário Popular.

Em 21 de novembro, eles haviam, inclusive, deflagrado greve para cobrar providências. Além de reivindicarem a ampliação do número de cirurgias - diretamente afetado pelo fim da Residência em Anestesiologia, que levou os seis profissionais para outras cidades do Estado -, os residentes em Cirurgia Geral também exigiam aulas teóricas e melhorias no ambiente para descanso.

"Nos sentimos como se estivéssemos em um Titanic, que está afundando cada vez mais", compara. "É um sentimento de tristeza, uma sensação de impotência, pois não estamos conseguindo tratar os doentes com dignidade. É de partir o coração ver um doente precisando de cirurgia e nos não podermos fazer nada, pela falta de infraestrutura".

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* O que diz a superintendência do HE: A direção do hospital assegura que estuda alternativas para restabelecer os atendimentos assim que possível. Ao se pronunciar inicialmente por nota, a instituição também afirmou estar trabalhando junto à regulação da Secretaria Municipal de Saúde para redistribuição da demanda cirúrgica eletiva até a questão ser resolvida.

"Estamos trabalhando dentro das normas da administração pública para a solução do déficit de profissionais anestesiologistas o mais rapidamente possível, de forma que ainda não podemos estabelecer um cenário definitivo para o mês de janeiro", argumentou a gerente de Atenção à Saúde, Cristiane Neutzling, ao se manifestar via assessoria de imprensa.

Ao admitir que o atendimento a pacientes externos não está sendo agendado, o HE-UFPel não chegou a revelar quantos procedimentos já foram transferidos desde o mês passado nem quantas pessoas estão internadas, neste momento, à espera de suas cirurgias. A instituição também preferiu não comentar qual a média diária de operações realizadas, já que dependeriam do porte e do local a receber o procedimento.

* A palavra da prefeitura: A Secretaria de Saúde de Pelotas informa que já se reuniu com representantes dos outros hospitais para solicitar que dividam a demanda do HE até que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) resolva o problema da falta de médicos anestesistas.

Ao ser questionada sobre número de procedimentos cancelados e encaminhamento de pacientes para o Hospital-Escola, a diretora de Gestão Ambulatorial e Hospitalar da SMS, Caroline Hoffmann, explica que o Executivo faz apenas a regulação da primeira consulta. "A partir do momento em que fica determinada a necessidade de realização de cirurgia eletiva, a agenda passa a ser controlada e monitorada pelos hospitais", ressalta.

Ao comentar sobre o encaminhamento de pacientes que estão no Pronto-Socorro, Caroline sustenta que o processo é realizado conforme os leitos liberados pelos hospitais à Central de Regulação. "Devido ao HE estar operando com número reduzido de anestesistas, a SMS tem priorizado os pacientes oncológicos já em tratamento no Hospital-Escola".

Entenda melhor
- Pelo porte da instituição, referência para a Zona Sul, entre 13 e 14 anestesistas deveriam fazer parte do quadro. Hoje, há apenas sete à disposição. Um oitavo profissional está afastado em licença de saúde, sem previsão de retomar as atividades.
- A superintendência do hospital negocia com a direção da Eserh, em Brasília, para realização de processo seletivo simplificado, já que não há candidatos aprovados em concurso para possível nomeação. Restrições impostas pelo ano eleitoral, entretanto, estabelecem restrições para publicação de edital de contratação antes da posse dos eleitos. A solução efetiva, portanto, só poderá começar a sair do papel ao longo do mês de janeiro. Até lá, a tendência é de que o cenário permaneça crítico.

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