Patrimônio

Sete de Abril completa 14 anos fechado

Interditado em 2010, teatro continua fechado e direção espera reabertura ainda esse ano

Foto: Volmer Perez - DP - Fachada do prédio ainda está com proteção

Caminhar pelas ruas do centro de Pelotas é caminhar pela história. Muitas vezes uma história com lacunas em locais que já foram símbolos de uma cidade próspera. Um desses espaços é o Theatro Sete de Abril, que completa 14 anos de fechamento neste sábado (16). Interditado pelo Ministério Público Federal em março de 2010 diante do risco de desabamento do telhado, o Sete se aproxima do bicentenário ainda com as portas fechadas para receber espetáculos, deixando o vazio para uma geração inteira que ainda não teve a oportunidade de acessar a cultura através desse patrimônio.

O restauro iniciou ainda em 2013, quando foi recuperada a cobertura, permitindo que se avançasse para o resto da reforma interna. Em 2014 foi concluído o projeto de restauro, iniciando um longo período de busca de liberação de orçamento junto ao governo federal para retirar a reforma do papel.

As obras do restante da estrutura só começaram em 2019, após o repasse de R$ 6 milhões do governo federal. O trabalho, que só foi concluído no começo de 2023, incluiu a recuperação de todo o madeiramento original, como o palco e a plateia, a instalação do plano de prevenção contra incêndio e adaptações de acessibilidade.

Agora, o que falta para o Sete de Abril ser entregue à população é a aquisição de mobiliário, caixa cênica, condicionadores de ar, os elevadores que permitem acessibilidade ao palco e aos camarotes e a finalização da rede elétrica. A expectativa é de que essa última etapa seja concluída no segundo semestre deste ano, afirma o diretor do teatro, Giorgio Ronna. Para isso, faltam ser realizados os processos licitatórios para adquirir o equipamento que ainda falta.

Segundo Ronna, o governo federal repassou R$ 2 milhões no final do ano passado. R$ 1,2 milhão será utilizado para a aquisição de todo o mobiliário, que inclui poltronas, cadeiras para camarins, móveis para camarotes e bilheteria. Os outros R$ 800 mil serão destinados à caixa cênica, composta por todos os tecidos, como as cortinas, e equipamento para iluminação e cenário que fica sobre o palco. As licitações para essa aquisição devem ser abertas nos próximos meses, segundo ele. Com essas aquisições, o teatro já estará pronto para reabrir as portas.

Para garantir que a estrutura do teatro não volte a se deteriorar com a umidade, por exemplo, é necessária a instalação dos equipamentos de climatização, com custo previsto de R$ 1 milhão. Segundo o diretor do Sete de Abril, já há negociação com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para acessar esse recurso ainda este ano. "O principal na questão da conservação preventiva é a climatização. Quando a gente tiver isso resolvido, o teatro vai estar garantido por mais algumas centenas de anos", afirma. Já os elevadores de acessibilidade devem ser adquiridos com R$ 250 mil destinados por emendas parlamentares, enquanto a finalização da rede elétrica recebeu outros R$ 250 mil do MPF.

Ronna garante que a demora entre a conclusão do restauro da infraestrutura e a instalação do equipamento que falta não está voltando a prejudicar o teatro. Segundo ele, o Sete de Abril continua sendo utilizado regularmente, em especial pelos cursos de Teatro e Música da UFPel. "A gente não tem mais infiltrações desde que houve o restauro da cobertura e é aberto quase todos os dias para visitação e atividades. Fazemos muita questão de que as pessoas entrem aqui para ver que ele está num estado muito bonito", diz o diretor. "Posso dizer que está nas melhores condições desde que foi inaugurado, inclusive recebeu tratamentos que não existiam na época, está preparado para durar mais tempo".

O retorno

Embora não crave uma data para a reinauguração do Theatro Sete de Abril, Giorgio Ronna diz que já há planos para uma programação comemorativa. "Inicialmente, a gente propôs, via Lei de Incentivo à Cultura, reabrir com um festival de uma semana de programação gratuita, que dê conta da diversidade da cultura de Pelotas. Vai ter música, teatro, dança, circo", diz.

Depois disso, a expectativa é transformar o Sete de Abril em um laboratório para a criação de espetáculos. "Eu comecei a atuar na cultura como ator e diretor de teatro lá nos anos 1980, a minha geração viveu uma coisa muito importante aqui, de o Theatro Sete de Abril não ser apenas uma casa de espetáculos. Era um espaço de produção de conhecimento e de profissionalização", relembra Giorgio Ronna. Para agora, os planos de Ronna são fazer do teatro um espaço para a criação de peças teatrais e espetáculos circenses. "A gente vai fomentar muito a cena local. É importante que todos os artistas de todas as cenas culturais de Pelotas entendam que o teatro pertence a eles", diz, acrescentando a ideia de se financiar três estreias anuais, de dança, teatro e circo.

A história do Sete

Embora as obras tenham sido concluídas somente em 1834, o prédio do Theatro Sete de Abril foi inaugurado em dezembro de 1833 com capacidade para 500 pessoas. Fundado pelos charqueadores de Pelotas e desenhado pelo arquiteto alemão Eduardo von Kretschmar, o Sete de Abril representava a opulência de uma cidade com pouco mais de 10 mil habitantes em um momento de prosperidade econômica e cultural.

O nome é uma homenagem à data em que Dom Pedro II assumiu o trono ainda criança. Apelidado de "teatro do imperador", recebeu a família imperial duas vezes, em 1846 e 1865. No livro Sete de Abril: o teatro do imperador, o jornalista Klécio Santos destaca a importância que o local teve como um dos principais templos da cultura no Rio Grande do Sul, ocupando um local privilegiado por onde passavam espetáculos que se deslocavam para apresentações entre Porto Alegre e as capitais do Uruguai e Argentina.

Os últimos 14 anos, no entanto, não são o único período em que o Sete de Abril ficou fechado ou passou por reformas. A primeira grande obra no teatro foi ainda em 1916, quando a fachada foi reformulada e passou a ter as características atuais. A frente "quadrada" adquiriu contornos mais curvilíneos, além do arco superior com o nome do teatro, os vitrôs alusivos às bandeiras do Brasil e do Rio Grande do Sul e a marquise de ferro no estilo art nouveau.

Já entre as décadas de 1960 e 1970, a estrutura começou a se deteriorar com gravidade. Em 1972 o tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) salvou o teatro do risco de demolição e, em 1979, o teatro, até então privado, foi desapropriado pela Prefeitura e teve sua última grande reforma em 1983, no governo do prefeito Bernardo de Souza.

Gerações marcadas pelo Sete

A trajetória de Vitor Ramil passa pelo palco do Sete de Abril. Tanto que seu álbum mais recente, Avenida Angélica, foi gravado ao vivo em 2021, em meio às obras do teatro. "Eu achei que eu ia lançar o disco ali logo em seguida, mas não aconteceu", diz. "Só sei que ali é fundamental pra cidade e tem que voltar logo, são 14 anos, tem adolescentes que nunca botaram o pé lá dentro, toda uma geração que não pode vivenciar esse teatro".

Filho de Vitor, Ian Ramil já lançou três álbuns e lamenta não ter tido a oportunidade de subir ao palco do Sete de Abril. "Se toda a cena cultural em Pelotas tivesse um teatro do porte do Sete de Abril, do nível do Sete de Abril, com estrutura pública, toda a produção cultural dos artistas que vivem em Pelotas seria muito mais valorizada e publicizada, aproximaria do público. Não tendo esse espaço, Pelotas está se colocando à parte da história da música brasileira nesse momento, está isolada", avalia.



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