Tem cor
Um bom lugar?
Mesmo com maioria negra, Pelotas ainda vive desigualdade racial nos mais variados aspectos; comunidade discute o tema em conferência, que ocorre neste sábado
Jô Folha -
Enquanto a educação demora mais, a morte chega mais rápido.
Não existe um item do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) pelotense em que a população negra não esteja em desvantagem em relação a quem tem a pele mais clara. Com o objetivo de discutir mecanismos de luta e de cobrança pelo fim da segregação, acontece neste sábado, das 8h30 às 17h, a 2ª Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Social.
A união não tem fim
O tema central é O Brasil na década dos afrodescendentes. O encontro, que terá como sede o auditório do Colégio Municipal Pelotense, funcionará a partir de quatro eixos.
O primeiro aborda a reafirmação e a ampliação do compromisso governamental e da sociedade brasileira com políticas de enfrentamento ao racismo e da promoção da igualdade “como fatores essenciais à democracia plena e ao desenvolvimento com justiça social no município”.
O segundo versa sobre a avaliação dos avanços obtidos e os desafios a serem enfrentados após 14 anos de implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que contém as iniciativas do poder público a fim de enfrentar a segregação.
O terceiro eixo trata da proposição de um conjunto de recomendações para o fortalecimento dos mecanismos para enfrentar o racismo, bem como para promover a igualdade no âmbito executivo municipal. Por fim, o quarto discute os mecanismos de institucionalização da promoção da igualdade racial em Pelotas, tendo em vista a implantação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), cujo objetivo é a organização e a articulação de um conjunto de políticas públicas e serviços voltados a superar as desigualdades raciais presentes no país.
O resultado das discussões será enviado à Conferência Estadual e, por fim, para a Conferência Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), a ser realizada em novembro. A organização é das secretarias de Cultura (Secult), de Educação (Smed), de Cidadania e Assistência Social (Semcas), além do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e da professora Marielda Barcellos, representante da sociedade civil. A promoção é da Prefeitura Municipal de Pelotas.
A vida é desafio
Organizador da Conferência, o professor e advogado Fábio Gonçalves apresenta dado que, por si só, já justifica a necessidade de um enfrentamento mais sério à segregação racial: segundo o Mapa da Violência de 2012, o número de homicídios que vitimam negros, no Brasil, é duas vezes e meia maior que aqueles que terminam com a morte de brancos. “De alguma maneira, os vários mecanismos do sistema em que vivemos colabora para esse extermínio”, comenta, referindo-se ao fato de estarem os negros mais vulneráveis, por exemplo, ao aliciamento ao tráfico de drogas, por vezes a única opção para um futuro com mais dignidade financeira dentro dos guetos.
Nestes casos, se não se matarem os próprios, os negros acabam sofrendo nas mãos de quem veste farda. “A segurança pública segue sendo mais sagaz para quem está na pobreza”, critica Gonçalves, comemorando, entretanto, um raro avanço: a abolição dos termos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”, utilizados por policiais que matavam suspeitos sob alegação de defesa - mesmo sendo homicídios, os casos eram classificados separadamente nas estatísticas.
Para Gonçalves, os níveis de desigualdade racial, em Pelotas e no Brasil inteiro, só poderão sofrer diminuição para além de um efeito maquiador através do fim da invisibilidade negra. “A discussão tem sido aflorada nos mais diversos espaços, reconhecemos isso. Mas ainda falta o protagonismo, principalmente nos espaços de debate sobre questões que nos são importantes. São raros os casos de negros nos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário. Tratar o negro de forma igual é também permitir que ele ocupe esses espaços”, argumenta.
Faça a coisa certa
Para a professora de Sociologia da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e mestre em Ciências Sociais (UFPel), Carla Ávila, ainda falta muito para que Pelotas rompa com o pensamento colonialista do século 19, não havendo problematização acerca da colocação dos descendentes de africanos em patamar inferior na sociedade. “A cidade não percebe a contradição de dizer que reconhece essa importância, da contribuição do negro para construção da cidade, mas não aprovar, por mais de uma vez, o 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) como feriado”, exemplifica.
Carla joga luz à necessidade de problematizar o racismo em conjunto com a noção de desigualdade social, entendê-lo como mazela oriunda do capitalismo. “Compreender que a classe trabalhadora é constituída em sua maioria por negros e negras. Pensar nas consequências das políticas neoliberais ao povo negro. Pois foi no não rompimento com essa mentalidade colonial mercantilista do capitalismo dependente de exploração, em maioria da comunidade negra, que essas políticas em favor do capital se perpetuam”, explica.
Linha de frente
Carla acrescenta que é preciso compreender que não se trata do racismo um problema apenas do negro, mas sim de toda a sociedade. Em sua opinião, os não-negros “devem recuar de seus privilégios brancos e deixar que a condução da luta antirracista seja feita por esses atores sociais que vivem na pele essas mazelas”.
Vilma Oliveira, 47, é uma destas. Mãe de três filhos, que criou sozinha, ela precisou largar os estudos aos 14 anos para trabalhar. É diarista, desde então, com público estabelecido no centro. Sai de casa logo cedo e volta ao fim da tarde para o Pestano, loteamento onde o desenvolvimento chega a passos de tartaruga - quando chega. “Para as favelas nunca tem nada. É tanta coisa que falta que eu não consigo falar uma ou algumas. Condenam aqui por causa da droga, então fica parecendo que não merecemos atenção. No ponto de vista deles, aqui é tudo vagabundo”, comenta.
Na visão de Vilma, o racismo dói principalmente enquanto discriminação. Se entra em uma loja, é observada de cima a baixo e é sempre seguida pelos seguranças. “Tudo o que existe para o negro é menos. Emprego, estudo, respeito”, critica. O filho mais novo, Leonardo, completa: “Andar na rua é sempre complicado. A polícia olha diferente para quem está vestido como a gente se veste. A nossa carne vale menos”.
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Pelotas (dados do Atlas do Desenvolvimento Humano de 2010)
Educação
População de 15 a 17 anos com Fundamental completo (em %)
Negros 34,9
Brancos 62,9
População de 18 a 20 anos com Médio completo (em %)
Negros 21,9
Brancos 49,8
Longevidade
Esperança de vida ao nascer
Negros 75 anos
Brancos 76 anos
Renda
Negros 0,666
Brancos 0,773
Trabalho
Taxa de desocupação (em %)
Negros 9,99
Brancos 6,65
Renda
Renda per capita
Negros R$ 504,16
Brancos R$ 981,43
Renda média dos ocupados
Negros R$ 782,25
Branco R$ 1.432,47
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