Educação
Um polêmico Ensino Médio começa a tomar forma
O Diário Popular ouviu educadores, estudantes e especialistas sobre o projeto lançado pelo governo federal que, caso aprovado, deve ser aplicado como novo modelo de educação já a partir de 2018
(Foto: Jerônimo Gonzalez - DP) Período que antecede o ensino superior está sendo revisto
O anúncio de uma reforma no Ensino Médio, feito através de Medida Provisória (MP) pelo governo federal, surpreendeu a sociedade brasileira na última semana. A MP, que ainda precisa passar por aprovação no Congresso, determina, entre os principais pontos, a implantação do turno integral, tendo as disciplinas de Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia como optativas, e abre a possibilidade de contratação de professores sem diploma. Polêmico, o conteúdo repercutiu imediatamente, sobretudo nas redes sociais, dividindo opiniões. Para grande parte dos educadores, um retrocesso. Para a presidência, uma saída ao Ensino Médio, considerado estagnado em todo o país. Para a comunidade escolar, uma dor de cabeça que aproxima a mudança mais a um problema do que a uma solução.
Enquanto o Legislativo dispõe de 120 dias para apreciar o texto, com autonomia para alterá-lo e mesmo vetá-lo, resta a pedagogos e estudantes o clima de incerteza e preocupação. Pouco se sabe para além do anunciado pelo presidente Michel Temer (PMDB). Muito se questiona. Caso se concretize, como implantar um ensino integral? Quanto e de onde será a verba? O que e como oferecer para os alunos a partir de então? Dúvidas que, segundo a diretora do turno da manhã da Escola Estadual Osmar da Rocha Grafulha, Angela Mara Silveira, ao serem levantadas mostram que o projeto beira o inviável. "Eu tenho cerca de 600 alunos no Ensino Médio em um turno, outros 400 no Fundamental em outro. Se eles precisarem passar o dia na escola, para onde vão as crianças? O município acolheria? Uma reforma de ampliação seria feita? Eu trabalho com falta de pessoal e profissionais que recebem salário parcelado. É uma realidade totalmente ignorada pela reforma e decisiva para colocar ela em prática."
(Foto: Jô Folha - DP) Uma das propostas é de turno integral
No Colégio Estadual Cassiano do Nascimento a torcida é para que o projeto não tenha continuidade. "Estamos incrédulos", diz a vice-diretora Mônica Moreira, que também é professora de educação física, uma das disciplinas citadas diretamente na MP da reforma. "Vivemos em um mundo onde a maioria das mortes acontecem em decorrência da obesidade, acabamos de sediar uma Olimpíada e, pouco tempo depois, se desestimula nacionalmente a prática de esportes? Se está mexendo na formação crítica e no bem-estar desses estudantes."
O trecho do documento que elimina a necessidade de concurso para a contratação de professores e "apenas com notório saber" também inquieta os educadores. Para a psicóloga de saúde escolar da Osmar Grafulha, Liliane Coll, isto representa um encolhimento do quadro de profissionais, com aproveitamento de um professor para mais de uma atividade. Abre precedente ainda para que qualquer pessoa, sem uma qualificação específica, possa ministrar oficinas ou atividades aos alunos. Suposições, é claro, baseadas no pouco disponibilizado à população, mas já suficientes para soarem o alerta entre pais, professores e diretores.
Até alguma definição, a organização para o ano letivo de 2017 segue inalterada por parte da 5ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE). De acordo com a sua assessoria, nada será feito enquanto não houver um documento oficial do governo federal implantando as medidas anunciadas. A recomendação é do secretário estadual de educação, Luís Antônio Alcoba de Freitas.
Na sala de aula
O debate está vivo também entre professores e alunos. Há preocupação com o estudante que será formado, a partir do momento em que ele passa a ter autonomia de optar por disciplinas. "Qual a maturidade de um adolescente de 15, 16 ou 17 anos para já saber o que quer na faculdade para optar por matérias afins? Quantos cursam um ou dois semestres e percebem que não era isso que queriam. E aí?", levanta a professora de biologia, Melissa Nogueira.
(Foto: Carlos Queiroz - DP) Medida propõe diminuir número de matérias
No terceiro ano do Ensino Médio, as colegas Júlia Müller, Manoela Porto e Bruna Andrade, veem pontos positivos ainda que considerem a reforma problemática. A ideia de ter matérias optativas é a que mais agrada, embora reconheçam que o desinteresse por uma disciplina muitas vezes está ligado mais à desmotivação do professor do que ao conteúdo em si. "Acho que professores motivados e com estrutura boa resolvem grande parte do problema em tornar a aula mais atrativa, mas é claro que com o salário baixo e ainda parcelado isso fica difícil", aponta Júlia. O ponto é reforçado pelo professor de português e literatura, Juliano Cardoso. "Escola atraente é a escola bem equipada, é a escola digital, é a escola que tem recurso para dar uma aula próxima da realidade dos alunos e que não temos hoje."
Opinião
Gostaria de manifestar o caráter antidemocrático da reforma, visto que o uso de MP é um expediente arbitrário e fartamente utilizado por governos ditatoriais. Além disso, o texto está repleto de questões que acenam para um retrocesso nunca imaginado, sob a alegação de propiciar ao currículo do Ensino Médio maior atratividade, flexibilidade e agilidade formativa, permitindo aos jovens ingressarem mais rapidamente no processo produtivo. Em parte a intenção é essa mesmo, pois o objetivo é atender à lógica do mercado, só que enfatizando algumas competências e habilidades (Português e Matemática), requeridas pelos empregadores em potencial, minimizando, ou mesmo abandonando, como é o caso dessa reforma, a formação integral proporcionada pelas Artes, Educação Física, Sociologia, Filosofia e Ciências.
Logicamente que se esta reforma for aprovada trará sérias consequências para a educação e para a sociedade brasileira. Não será diferente para a formação de professores. No entanto, nota-se que tais medidas estão voltadas para a escola pública, prevendo, inclusive, financiamento durante 4 anos para as escolas que aderirem integralmente às medidas anunciadas. As escolas privadas terão autonomia para definirem seus currículos e contratarem professores diplomados, aumentando o distanciamento entre a formação dos estudantes das escolas públicas em relação aos das escolas privadas (classe trabalhadora e classe dirigente).
Precisa ser levado em conta o projeto de nação que se pretende para todos os brasileiros e não o projeto de reforma do Banco Mundial! Para tanto, é necessário ouvir as comunidades: alunos, professores, pais, direções de escolas e não entidades de dirigentes, como consta no documento. Se há uma reforma necessária, ela deverá ser aquela que garanta cada vez mais os direitos à igualdade e não o privilégio de poucos e a segregação da maioria.
Maria de Fátima Cóssio
Professora do Departamento de Ensino, líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (NEPPE), PPGE/FaE/UFPel
Entenda a reforma
A Medida Provisória 146/2016 prevê alterações que valem para escolas públicas e particulares e determina que o currículo do Ensino Médio seja definido pela Base Nacional Comum Curricular. A reforma dá opção para que as escolas ofereçam aos alunos cinco possibilidades de áreas nas quais queiram empregar mais tempo. São os chamados "itinerários formativos": linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Segundo o Ministério da Educação (MEC), em 2018 já poderá ocorrer o ingresso das primeiras turmas no novo modelo. O ministro Mendonça Filho declarou que não há prazo máximo para que todos os estados adotem as mudanças. Também não há estimativa de quanto se gastaria com a ampliação dos turnos para integral. Para isto, a pasta prevê investir, até o fim do mandato, R$ 1,5 bilhão no projeto.
Após divulgado, o texto recebeu uma alteração temporária, que mantém a obrigatoriedade das disciplinas de artes, educação física, filosofia e sociologia até que seja concluída a outra etapa da reforma. Isto significa que fica a cargo da Base Nacional Comum Curricular, prevista para ser concluída em "meados de 2017" se as disciplinas serão obrigatórias ou não.
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