Opinião

Amigo, foi bom te encontrar

Eduardo Caputo
Research Associate
Center for Evidence Synthesis in Health | School of Public Health
Brown University

Em 2014 minha rotina diária era complexa. Além de conciliar estudos na pós-graduação junto com atividade profissional, a doença de meu pai evoluía. Como toda doença crônica degenerativa, demandava cuidados cada vez maiores. Esse tipo de doença acaba por exigir psicologicamente de todos em volta, mas claro, em especial da pessoa acometida. Certo sábado de inverno, o Igor, amigo de longa data, me ligou e disse: "Fala, Dudu! Tá rolando um samba, lá no Mercado. Vamos?!". Lembro que chegamos já no final. Havia uma roda montada no meio do Mercado. Pessoal no entorno. Alguns com cadeiras de praia e caixas térmicas. Apesar do samba de qualidade, confesso que não imaginei que se tornaria algo frequente. Hoje, vejo como fui ingênuo.

Passados alguns meses dessa visita, meu pai faleceu. Porém, a roda de samba continuava lá. Aos sábados, de quinze em quinze dias, iniciando às 18:30. Não me recordo qual foi a primeira vez que fui ao Mercado ver o Renascença, com o samba já no pátio. Mas, me recordo de uma passagem que talvez jamais esqueça. Foi a primeira vez que os guris tocaram Clareou. À época, ainda não era uma canção conhecida. Lembro que alguém comentou algo sobre sua temática, contextualizando o porquê de tocarem a música, e aquilo contrastou exatamente com o momento em que me encontrava. Nos minutos que se passaram, fiquei ali escutando a letra com atenção, e refletindo sobre o que a mesma tratava e como a minha história recente se encaixava nela.

Desse dia em diante, o Mercado Público de Pelotas se tornou para mim o que já era para muitos outros, "o ponto de encontro da cerveja sincera", como diz a canção. Com o passar do tempo, comecei a notar que o Renascença não era apenas uma roda de samba, que acontecia com certa frequência, no mesmo local. Como diria o Darlan, não à toa chamado de professor: "O Rena é um monte de gente, apaixonada por gente, no mesmo lugar". Não é apenas uma roda de samba, e sim um movimento que faz uso do samba como expressão cultural. O samba, que canta dores e amores, entre tantas outras temáticas. O samba que nos faz rir e chorar, por vezes ao mesmo tempo. O Rena é tudo isso, e mais um pouco.

Esse ano o Rena completa 10 anos, data que também representa uma lembrança triste para mim, do ponto de vista pessoal. Mas, por outro lado, ao longo desses anos fiz amigos, bebi cervejas sinceras, me diverti e cantei. Mesmo quando não pude estar presente fisicamente, fui acordado do outro lado do mundo com chamadas de vídeo para matar a saudade. No lugar de sempre. No canto direito de quem entra no Mercado pela Lobo da Costa, na reta do Tauê.

Cada pessoa atribui um significado diferente a eventos que influenciam na sua vida. Na minha trajetória pessoal, por exemplo, o que acontecia no Mercado era muito mais que uma roda de samba. Foi onde me reencontrei depois de um período difícil. Foi onde as amizades se fortaleceram e surgiram. Acho que os guris nem imaginam o tanto que algo tão simples como uma roda de samba pode impactar a vida de tanta gente. Por isso, me resta apenas agradecer. Obrigado, amigos. Foi bom encontrar vocês.


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