Artigo
Dicionário pampeano da psicanálise
Por Paulo Rosa
Sociedade Científica Sigmund Freud
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É tal a radicalidade expressiva da palavra pampeana, que bem merece o esforço linguístico e epistemológico de aproximação dessa "língua" (idioleto, dirão entendidos) aos abismos mentais do universo freudiano. Essa é, pelo menos, a ideia que anima o grupo de pesquisadores encarregados da hercúlea tarefa. Outras balizas a nortearem a proposta são o Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, Fructos do Paiz, 2019, obra póstuma do nosso querido Aldyr Garcia Schlee, bem como o denso e leve Almanário de Pelotas, do lúcido escritor Ayrton Centeno, que organizou a obra, publicada pela Cabrion, 2022. O porto de chegada dessa navegação é, por óbvio, a obra completa do patrão velho Sigmund Freud, em sua mais recente tradução ao português, pelo germanista Paulo César de Souza.
Tropeemos com alguns verbetes, apartados ao léu, para que o gaúcho velho, extensivo, claro, a intrépidas prendas, tenham todos uma visão geral da tropa.
Iniciemos com o verbete psicanálise. Um dos mais xucros que achamos na cavalgada. A perspectiva de Freud, aqui no Pampa chamado - afetivamente - de apenas, "Velho", é de que o termo designa três coisas: 1. é uma forma de tratamento para conflitos e sofrimentos psíquicos, 2. é uma teoria geral sobre como a mente funciona, 3. é um método de investigação psicológica. Restringindo-se à primeira dimensão, na qual o Velho esmiuçou de variadas maneiras: como as figuras de mãe e pai vêm a ser incorporadas na cachola dos rebentos, dando-lhes mais, ou menos, liberdades no viver. Para facilitar as coisas, os pesquisadores nos propõem que designemos o conjunto mãe-pai por apenas mãe, aqui referida de modo afetivo e carinhoso como "Velha", cuja transcendência emocional é, sabemos bem, gigante, vindo, inclusive, a sombrear a figura paterna, em especial nos primeiros tempos do guri, também às gurias. Não mais faremos distinções de gênero, por demasiado aborrecidas, chamaremos a todos os sexos por "ele", por simples e pura economia, pois as gurias sabem que transcendem os guris. Basta que prestemos atenção aos fatos.
Dimensões libertárias da Velha são incorporadas no Eu do vivente. Já as restritivas ou castradoras, fazem corpo no chamado supereu, a moçada conhece: gosta de tomar a frente e governar nossa vida. A mãe libertária ajuda a que sejamos nós mesmos, o melhor que pudermos. Já a castradora nos corta as asas o tempo todo, está sempre a dizer-nos "não" e a encher-nos de culpa pelo que fazemos, e pelo que não fazemos. Esta última, em resumo, uma baita chata.
Pois o bagual velho, ao se analisar, o que faz ele na verdade? Se a tropeada corre bem, ele aprende a corcovear até tirar a Velha de cima. Claro, nos referimos à Velha xarope, restritiva, intrometida, que gosta de mandar nos bacuris e nos pisa no poncho sem mais aquela: dissolva-se, esta, dentro de nosso bestunto. Nada fácil, mas possível.
Tchê, o Velho é gaúcho, tem que ser.
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