Paulo Rosa

Nietzscheanas para freudianos

Freud leu Nietzsche, intencionalmente, de forma tardia. Em sua Autobiografia, O.C., 1925, [2018], p.148, explica que: “Nietzsche, [...] cujas intuições e percepções frequentemente coincidem de modo espantoso com os laboriosos resultados da psicanálise, evitei, justamente por isso durante muito tempo; não me importava tanto a prioridade, e sim manter o espírito desprevenido”.

Em seus trabalhos teóricos, não-observacionais, sempre permaneceu Freud cauteloso em realizar aproximações filosóficas. Diz: “mesmo quando me afastei da observação evitei cuidadosamente me aproximar da filosofia...” (p.148). Nessa direção ele comenta: “as profundas concordâncias entre a psicanálise e a filosofia de Schopenhauer - ele não apenas defendeu a primazia da afetividade e a extraordinária importância da sexualidade, como reconheceu inclusive o mecanismo da repressão… li Schopenhauer bastante tarde em minha vida” (p.148).

Arrefecido o sestro freudiano (e nosso) ante filósofos, julgo ser mais do que útil que examinemos propostas nietzscheanas, instigantes e esclarecedoras para nosso afazer. Para tanto me restrinjo aqui às anotações deixadas pelo filósofo, organizadas por Colli & Montinari, publicadas postumamente, com tradução brasileira de Karina Jannini, como Sabedoria para depois de amanhã, pela Martins Fontes, 2005.

“15. Não devemos nos envergonhar de nossos afetos; eles são muito irracionais para isso.

1. Vontade de viver? Em seu lugar, sempre encontrei a vontade de poder.

5. Também é preciso superar a juventude em si quando se quer voltar a ser criança.

30. Viver muito: além disso, reviver muitas experiências passadas; viver as experiências próprias e as alheias como uma coisa só: isso é que constitui os homens mais elevados; chamo-os de ‘somas’.

31. A morte está próxima o suficiente para não termos de temer a vida.

185. O que é o homem? Um monte de paixões, que penetram no mundo pelos sentidos e pelo espírito: um novelo de serpentes selvagens, que raramente se cansam de lutar; depois contemplam o mundo a fim de buscar sua presa.

5 [22] Os olhos deixam de ver onde não cessam de conhecer, mas onde acaba vossa honradez.

5 [31] Por trás dos teus pensamentos e sentimentos, há teu corpo e teu eu no corpo: a terra incógnita. Por que tens esses pensamentos e sentimentos? Teu eu no corpo quer algo com eles.

7 [117] A natureza não quer nada, mas ela sempre consegue alguma coisa: queremos alguma coisa e sempre conseguimos outra. Nossas ‘intenções’ são apenas ‘acasos’.

9 [37] Sempre que coloco óculos nítidos, espanto-me em ver como os homens são feios e como é possível suportá-los”.
Esta obra póstuma do alemão é um livro de 300 páginas, recheadas de pensamentos como os da mostra. O material colhido ao acaso é suficiente para que freudianos se impactem com a incrível convergência dos dois autores. Itálicos do alemão.
A habilidade Freud-Nietzsche abre picadas para analistas.

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