Eduardo Ritter

A simplicidade é o segredo da coisa

Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Quando era mais novo, lá pelos tempos do Ensino Médio, lembro que tinha colegas que ouviam músicas super complexas, sob o ponto de vista rítmico. Eu interrompia meu Engenheiros do Hawaii com Zeca Pagodinho e parava para ouvir. Não curtia, mas seguia ouvindo, afinal, era o troço dos “entendidos” em música. Pô, um era baterista, outro baixista, outro cantor, então eles deviam estar certos e eu errado. Ouvia o troço todo até cansar e, quando cansava, voltava para os Engenheiros e para o Zeca Pagodinho.

Mais tarde, já na pós-graduação, pegava aquela montanha de livros de intelectuais franceses, russos, dinamarqueses, americanos, alemães e o diabo a quatro. Foi um bom período, mas o que eu gostava mesmo era da simplicidade de Bukowski, Jack Kerouac, Thompson e cia. Bebida e depravação. Simples assim. Pra que ler um acadêmico engomado para falar de Cuba quando você tem um Pedro Juan Gutierrez te passando a real em Trilogia suja de Havana?

Agora, vamos para a cerveja. Quando tive condições, passei a comprar “cerveja de qualidade”. Não vou citar marcas. Mas muitas me davam dor no estômago, prisão de ventre e diarreia. Rendeu-me uma bela esofagite. Até que desencanei e voltei a tomar umas cervejas mais populares e tudo voltou ao normal. Essa filosofia serviu até para carro. Durante um tempo, muito por influência da minha ex-conjê, apostei nos “carrões”. Nada de excepcional, mas eram carros interessantes e confortáveis. Depois da minha crise de 1929 pessoal, tive que trocar esses modelos sofisticados por um carro popular, do tipo uber mesmo, como minha filha gosta de dizer. Nunca estive tão automobilisticamente feliz. Primeiro, porque o IPVA e o seguro baixaram mais da metade. Segundo, porque nunca tive luxo na vida e, na moral, não sinto falta nenhuma do câmbio automático, do motor 2.0 e do banco de couro. Fui criado a pé e no busão e, depois, no Chevetão, Uno e no Fusca. Cadum, cadum.

Voltar às origens é bom demais. Já falei aqui que as palestras do Nauro Júnior, escritor e jornalista, fizeram-me lembrar sobre como tinha o lado hilário do tempo de estar duro, sem grana, mas se divertindo pra cacete. Vou ficar devendo a leitura do A vida cabe em um Fusca para o ano que vem em razão dos compromissos de final de semestre e, assim que ler, vou dar meu palpite aqui, mas uma série de acontecimentos na minha vida fizeram voltar a dar valor para as coisas simples e para esnobar as coisas financeiramente nobres. Hoje digo tranquilamente que prefiro morar em um prédio popular sem gente chique e chata pra encher o saco por qualquer coisa, que prefiro um carro barato que não vai me custar uma paulada por ano para manter um “status” que abro mão de ter, que prefiro uma cerveja que desce bem do que uma que impressiona pelo preço, bem como gosto mais de um Martinho da Vila ou Racionais MCs do que uma banda que não diz respeito a nada da minha vida e prefiro um presidente que foi pobre boa parte da vida e sabe do que estou falando do que um que representa uma elite acéfala que dança “marcha soldado cabeça de papel” na frente de quartéis.

Sou um deslocado, um patinho feio da academia, uma ovelha roxa da família, um admirador das coisas simples da vida enquanto muitos querem o sofisticado sem saber o tédio e insanidade que isso pode significar.

Um bom final de semana a todos.​

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