Marcelo Dutra
A tragédia do povo Yanomami
Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo
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O sofrimento yanomami é revoltante. Ganhou as páginas do mundo com cenas de tirar o fôlego e representa tudo que pode haver de mais sórdido na política do extremo, onde destruir faz parte do método, tomar pela força e/ou exterminar vidas se necessário. Algo que só é capaz de ser feito por gente egoísta e perversa, que não se importa com nada, a não ser com os próprios interesses e ambições; gente que tem sede de poder, que não respeita limites e que se impõe pela dominação do outro; gente que se apropria do bem alheio e dos recursos naturais, em detrimento da qualidade de vida e do bem-estar coletivo; gente que não se comporta como gente.
A tragédia yanomami é um clássico caso de genocídio, de extermínio de um povo original para tomar seu espaço e recursos. Um projeto de extinção com faces poderosas, da mais alta cúpula, a serviço dos interessados na exploração ilegal e criminosa dos bens naturais da floresta, do solo e das riquezas minerais; um projeto baseado em mentiras, desinformação e ausência do Estado; um projeto de morte, exclusão cultural e violência. Um crime digno de julgamento na corte internacional.
Os Yanomami compõem a maior população de povos originários com relativo isolamento da América do Sul. Eles vivem nas florestas e montanhas no norte do Brasil e sul da Venezuela. Como a maioria dos povos indígenas do continente, os Yanomami provavelmente migraram pelo Estreito de Bering, entre a Ásia e a América, há cerca de 15 mil anos. Estima-se uma população de 38 mil indígenas, parte dela distribuída no território yanomami brasileiro e parte na Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquiareno, na Venezuela. Juntas, essas regiões formam o maior território indígena coberto por floresta de todo o mundo.
O povo Yanomami sofre com invasores desde a década de 40, quando o governo brasileiro enviou equipes para delimitar a fronteira com a Venezuela. Na sequência, grupos religiosos missionários se estabeleceram no território e este fluxo de pessoas levou às primeiras epidemias, incluindo gripe e sarampo, resultando em muitos mortos. No governo militar, a construção da Transamazônica (BR-230), estrada que rasgou a Amazônia Legal ao longo da fronteira norte e dizimou aldeias inteiras, em decorrência de doenças levadas pelos trabalhadores. E hoje não é muito diferente.
A estrada deu origem a novos acessos e continua sendo utilizada para invadir o território yanomami. Ruralistas em busca de novas fronteiras invadem as terras indígenas e desmatam sem qualquer constrangimento, enquanto o garimpo ilegal se estabelece e contamina tudo em volta. É o maior saque a céu aberto do planeta, aos olhos de todos, que não traz receita e nem beneficia ninguém. Pelo contrário, roubam, destroem e matam. Quem ganha é quem financia e se apropria sem prestar contas, praticando ilícitos, sem ser visto (imagina) por quem deveria coibir a arte criminosa.
O novo governo tomou pé da situação e promete mudanças radicais. Uma cobrança que também é muito forte lá fora. Nossa imagem de povo pacífico, que respeita as leis, os direitos humanos e o meio ambiente está arranhada. As ameaças de embargos e dificuldades ao produto brasileiro de exportação, sobretudo as impostas às nossas commodities de origem no desmatamento ilegal, vêm se intensificando. O mercado internacional está atento ao que acontece no Brasil e os bons (a maioria) pagarão o preço pelas práticas ruins de uns poucos criminosos.
Portanto, talvez seja o momento do agronegócio responsável rever o discurso e expurgar as práticas erradas e aqueles que ainda insistem em fazer errado. O mesmo vale para a mineração realizada dentro dos limites da lei. Não existe ganho, lucro ou prosperidade se a ideia de produzir e de desenvolvimento com sucesso econômico não vier acompanhada de bem-estar social e proteção do meio ambiente.
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