Eduardo Ritter

A voz da experiência

O primeiro livro de Ernest Hemingway que li foi o clássico O velho e o mar, originalmente publicado em 1952. Mesmo tendo lido lá por 2005, quando estava na graduação, nunca mais esqueci o enredo da obra, que conta com pouco mais de cem páginas. Nele, o personagem principal, Santiago, um velho pescador cubano, está há 84 dias sem conseguir pescar um único peixe, até que ele finalmente consegue fisgar um, e dos grandes. A partir de então, a narrativa gira em torno da batalha entre o velho pescador e o peixe em alto mar, ambos travando uma disputa que dura dias, envolvendo resistência, força e persistência. Durante todo o confronto, o velho e o grande peixe se alternam em momentos de vantagens e desvantagens, mas ao final, o que realmente importa são os últimos minutos do combate, que definiram o vencedor.

Eu nasci em 1981 e desde que tirei as fraldas o futebol foi um dos principais protagonistas da minha vida. Até concluir o Ensino Médio, eu jogava bola dia e noite, seja com amigos, na escola, ou sozinho no pátio de casa. Naquela época, não havia TV por assinatura para assistir a tantos jogos como hoje. No entanto, eu assistia a todos os que eram possíveis e acompanhava diariamente as transmissões de rádio e os jornais impressos. Foi minha paixão pelo futebol que me levou ao jornalismo, no entanto, acabei trabalhando em outras editorias, fui para a pesquisa, mas segui acompanhando sempre de perto o esporte mais popular do Brasil. Durante meu mestrado e doutorado na PUCRS, fui frequentador assíduo de Olímpico, Beira Rio e Arena do Grêmio. De uns tempos para cá, contudo, fui percebendo certos padrões nos jogos e acabei tomando algumas decisões sobre assistir futebol.

A principal delas é que raramente desmarco algum compromisso por causa de um jogo. Essa decisão, tomei quando o Grêmio estava na Série B em 2022 e, em um daqueles jogos sofríveis, cancelei um compromisso para ver o tricolor tomar dois de um time horrível e fiquei com aquela sensação amarga de perda de tempo. Depois dessa ocasião, só perco compromisso se for para ver algum jogo muito importante envolvendo diretamente o meu time. Por isso, na quarta-feira, não cogitei faltar ao meu treino de judô para secar o Internacional contra o Fluminense. Até porque, depois que liberaram cinco alterações de cada time por jogo, a partida se transforma em outra depois dos 30 do segundo tempo, pois praticamente meio time é modificado. Então, um time pode ter dominado o jogo todo e, depois dos 30, tomar uma virada espetacular, como quase aconteceu no jogo entre Argentina e França na final da Copa de 2022 (um 2 a 0 tranquilo para a Argentina virou um 2 a 2 com domínio francês no final).

Sabendo disso, na quarta-feira treinei normalmente, cheguei em casa com o placar de 1 a 0 para o Inter, jantei, tomei um banho bem tranquilo, olhei e-mail, dei comida para o cachorro, estendi a roupa que tinha ficado na máquina e coloquei a cerveja gelar para assistir ao que interessava: os últimos 15 minutos. Sim, depois de me ferrar inúmeras vezes na vida, a voz da experiência começa a apresentar seus resultados.

Assim como o velho de Hemingway se concentrou mais do que nunca ao fim do combate com o peixe, eu me postei na poltrona como um legítimo secador aos 30 minutos do segundo tempo. Aos 36 o tricolor carioca empatou e, aos 42, virou. Bingo! Tomei um longo gole de cerveja e pensei: eu sabia. Eu sabia! Ao longo dos anos o futebol, assim como eu, mudou muito. A não ser que um time tenha aberto uma grande vantagem até os 30 do segundo tempo, os últimos 15 minutos, com cinco jogadores diferentes em campo para cada time, é que definem o troço todo. O mundo viu isso na final da Copa de 2022, mas a Argentina ainda teve forças para dominar o seu peixe e levar o caneco. Já o Inter, não. Valência, Coudet e Rochet deixaram escapar o peixe, que levou anzol e tudo para o fundo do oceano, virando o barco dos colorados, que deixaram de ser "o velho e o mar", de Hemingway, para se tornarem "náufragos", de Garcia Márquez. Mas aí já uma outra história...


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