Dr. Jeferson Bugoni

As faceiras da Catedral

Nos jacarandás frondosos em frente à Catedral São Francisco de Paula, em Pelotas, todos os fins de tarde um espetáculo gratuito acontece debaixo do céu. Um espetáculo não de teatro ou música, mas da natureza.
Meia hora antes do sol se pôr e a noite derramar sua escuridão sobre a cidade, chegam destemidas algumas dezenas de marias-faceiras – uma espécie de garça tão conspícua no céu de Pelotas quanto o cheiro dos baurus que inunda a noite pelotense.

Essas garças não permitem não ser percebidas. Quem passar neste horário pela praça da Catedral, buscar os filhos no colégio próximo ou subir a Félix pela ciclovia, vai vê-las. É inevitável. E se você se atrasar para o show delas chegando em pequenos grupos, o qual dura cerca de meia hora, não se preocupe: elas passarão as noites empoleiradas nos jacarandás e você poderá vê-las durante a noite. Outra opção é ir até o Quadrado, na região do Porto de Pelotas. Ali é possível ver os pequenos bandos sobrevoando o Canal São Gonçalo em direção ao centro da cidade.

A maria-faceira é uma das dez espécies de garças que vivem na nossa região e é uma das mais bonitas. Veste uma plumagem cinza-azulada nas costas, com um peito amarelado que sobe pelo pescoço longo lembrando a combinação de cores da camisa do áureo-cerúleo da Bento. Na face, traz uma maquiagem colorida, ainda mais exuberante na primavera quando se prepara para o período de reprodução. Ao redor dos olhos amarelos, mostra um azul-celeste como a bandeira uruguaia. O bico é rosa como os camarões da lagoa, tendo apenas a ponta preta. Para finalizar elegantemente, traz um penacho negro e comprido que se estende da nuca até o meio do pescoço. Tudo isso sustentado por pernas negras e longas, que usa para se locomover nos campos encharcados em busca de sapos, cobras, insetos e outros animalejos.

Mas por que abandonar o silêncio da noite no banhado, em troca de dormir na frente da Catedral onde há o barulho dos automóveis e a luz dos postes a noite toda? Por certo deve haver alguma vantagem, seja a ausência de predadores ou mesmo a temperatura mais elevada da cidade, que proporciona noites mais amenas durante o gélido inverno. Embora as razões para isso ainda não tenham sido esclarecidas pelos cientistas, este comportamento é provavelmente passado entre gerações, a partir dos indivíduos mais velhos que descobriram que dormir dentro da cidade não seria um mau negócio.

A chegada das garças na praça é um entre outras dezenas de espetáculos da natureza que fazem parte do cotidiano da nossa cidade. Embora a maioria das espécies seja prejudicada pela criação de cidades, algumas espécies podem ocasionalmente lidar com os impactos das atividades humanas, e este é o caso das ‘faceiras da Catedral’. O espetáculo que elas nos proporcionam nos lembra da importância de termos cidades mais verdes, com ruas, praças e jardins arborizados com plantas nativas da região que poderão ser usadas pelos animais como alimento ou abrigo. Assim poderemos ter cidades cada vez mais amigáveis à biodiversidade e belos eventos gratuitos como esse. Fica o convite. Traz tua cadeira e teu mate para frente da praça da Catedral antes do sol se pôr e bom espetáculo.

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