Paulo Rosa

Diagnóstico incompleto: tratamento inadequado

Paulo Rosa
Médico do SUS
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Dilema médico maior, desde Hipócrates. Há mais de dois mil anos vivemos sob a contingência: ou faço um diagnóstico completo ou exponho o paciente a riscos desnecessários: impedimento ético. Dia-gnoscere, conhecer através, é responsabilidade total e inalienável, cabendo-nos articular ciência e arte, sutil mistura que permite individualizar, personalizar cada intervenção, cada atendimento, tornando-os específicos à determinada pessoa, naquele momento de vida. Além disso, a necessidade de examinar o fundamento científico para nossas ações - sejam elas somente verbais, como nas análises, sejam complexas intervenções cirúrgicas, devem apresentar evidências suficientes para serem assumidas.

Os atos clínicos, individuais ou coletivos, as condutas psicoterápicas, os procedimentos cirúrgicos, todos se assentam, ou deveriam, basear-se em evidências. E as "evidências" são construções científicas provindas de pesquisas, cujos resultados são expostos, anonimamente, ao parecer de especialistas "neutros", i.e., que desconhecem os autores dos estudos, julgando o embasamento do que estes defendem. Revistas científicas de alto impacto, as que gozam do maior crédito, por serem mais lidas e mais citadas, chegam a examinar centenas de trabalhos, algumas alcançam 600 artigos, para que os pareceristas possam dar aval a apenas um, que será, então, publicado. É uma espécie de selo de qualidade para artigos em revistas, como Nature, Science, The Lancet, Presse Médicale, Revista de Saúde Pública (USP), para nomear algumas das que mais circulam.

Mesmo assim, há que se ter presente questões filosóficas sutis quanto ao conceito de evidência, expressas, p.e., em O Tratado da Evidência, de 1996, do filósofo português Fernando Gil, hoje na França, para demonstrar que o que nos parece evidência, em algo se aproxima de alucinações. Deixemos por aqui, sem maior debate, pois o objetivo é de que apenas não nos descansemos sobre a noção de "evidência", "descanso" observável no meio médico, pois ela própria enfrenta fragilidades várias, atenuando, assim, a forma de "certeza" despertada pela noção - assim ingênua - de "evidência".

Tais considerações provêm de artigo inspirador sobre epistemologia do processo diagnóstico, de Harrington, publicado na Pediatric Clinics of North America, 1965, onde o autor fundamenta a ideia, bastante óbvia e um tanto deixada de lado, de que se fizermos um diagnóstico incompleto, o tratamento será, inescapavelmente, inadequado. A questão é ainda mais premente na área psicológica, onde o fato de que os diagnósticos dependam exclusivamente de avaliações observacionais, clínicas, mais ou menos numerosas - pois não há um "exame" que confirme o quadro - para, então, dispormos de precisão, tanto diagnóstica, quanto terapêutica.

O texto vai para Antônio Boabaid e Michel Zanchi, jovens companheiros do trabalho que compartilhamos, dia a dia, em hospícios da cidade.

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