Artigo

Gestões d’hospícios – 3

por Paulo Rosa

Associação Psicanalítica Argentina, Sociedade Científica Sigmund Freud  
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Mas, afinal, o que torna tão difícil e trabalhoso cuidar medicamente, psicologicamente da loucura? Ninguém menos que Thomas Mann, em A montanha mágica, de 1924, traz luz extraordinária: “doenças são paixões transformadas”, diz seu personagem à plateia. O sentido é de que se não conseguirmos viver suficientemente nossas paixões, de certo modo elas não deixarão de existir, mas se transformarão em sofrimentos mais ou menos crônicos, mais ou menos intensos, levando-nos a carregar essa dor, de forma prolongada, em uma “linguagem” humanamente compreensível, sob forma de doenças. E, por esse fato, talvez até consigamos alguma atenção, algum alento vindo dos que nos cercam e que nos percebem doentes, fragilizados, padecendo afecções no corpo e/ou na alma. Certo é que essa perspectiva pode mostrar-se ainda mais complexa se, por exemplo, agentes infecciosos aproveitam nossa vulnerabilidade para instalarem sua agressão em nosso corpo. 

Ou se trouxermos fragilidades em nossa genética, ou, ainda, se sofrermos influências familiares/ambientais que nos resultem especialmente traumáticas e de impossível assimilação.

Assim, a construção de uma patologia mental se desenvolve no mundo relacional do indivíduo, por conflitos ou déficits existentes nos relacionamentos – em uma palavra, é dentro da família onde se gesta o sofrimento – e, por consequência, é indispensável que o atendimento médico contemple não só ao enfermo, mas também seu grupo familiar, onde se gestou o processo. Nestes termos, vê-se que o paciente é apenas o elemento mais visível, como a ponta do iceberg, de todo um processo subjacente. Se se pretende um tratamento algo transformador, não apenas paliativo ou setorial, ele abrangerá, portanto, o paciente e sua família, exigência complexa não só para os atendentes diretos, também para os gestores das políticas de saúde.

A perspectiva mostra o custo econômico elevado que se requer para montar todo um grupo de trabalhos especializados, com atividade intensa, para cada enfermo e seu grupo. Desde outro ângulo - do custo emocional para as equipes - é potente o desgaste e o risco de stress ou, no extremo, de burnout, i.e., exaustão emocional dos atendentes.

Gerir hospícios – sejam próximos ou distantes da Reforma Psiquiátrica, proposta por Basaglia – é função de alta complexidade, requerendo estudos, avaliação continuada. Cuidar dos pacientes, das famílias, das equipes: o fundamento.

Os Caps, Centros de Atenção Psicossocial, voltados ao atendimento de pessoas com sofrimento mental grave, procuram trabalhar com a máxima proximidade ao que preconiza a Reforma Psiquiátrica, idealizada por Franco Basaglia, na Itália dos anos 70. Priorizando o modelo não-asilar, esses serviços se valem da busca ativa dos pacientes – cuja raiz latina significa “aquele que sofre” –, incluindo visitas a domicílio mediante equipes interdisciplinares.

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