Rubens Amador

História de mentiroso

Rubens Amador
Jornalista


O bem humorado é o tipo de pessoa com quem mais me apraz estar. O bom humor, além de mostrar limpeza por dentro, é sinal de inteligência; vivacidade e brilho. Bem, mas não vou escrever um ensaio sobre isto. Tem um de meus amigos, que já nos deixou, do qual jamais vou esquecer. Ele cultivava o bom humor como uma condição de vida. Ele chamava-se Noredi. Sua esposa (dona Elza), puxava parelho, e o lar deles era uma alegria constante.

Certo dia ele me contou, por puro prazer de fazer graça fina, que, apreciador de cavalos, teve um “malacara” que lhe deu muito dinheiro. Um belo dia, a tragédia! Em uma corrida, o cavalo tropeçou e caiu. Quebrara uma pata. Chamado o veterinário, este foi enfático: “Temos que sacrificar o animal”! Meu amigo, que se afeiçoara por demais ao cavalo, afastou de plano a terrível sentença profissional. Pensou, pensou, numa solução e acabou encontrando-a. Acontece que ele era competente técnico em pianos (aprendera desde menino com o maior técnico que Pelotas já teve, o alemão Adolfo Schwab). Muito habilidoso, segundo ele, tratou de serrar a perna do animal ferido, contou-me, e encaixou o coto em um pé de piano, centenário, de mogno europeu, que guardara de uma restauração. E assim o animal passou a se equilibrar, despertando a atenção de todos onde estava, à campo, lá nas bandas de Bagé.

O “implante”, dizia com orgulho, fora o primeiro e de total sucesso na história da veterinária. Contou-me ele que o animal corria, com aquele estranho apêndice de madeira nobre, e em seguida tornou-se hors concours, pois ganhava todas em cancha reta. Disse-me, que à noite, gostava de ver o “malacara” correr, pois saiam faíscas da rodinha de ferro da perna de piano na qual seu cavalo “operado” deslizava.

Mas o notável de sua deliberada mentira veio quando disse-me, “entristecido”, que o cavalo envelhecera. E naquele perna, resultante do estranho implante por ele feito, deu-se um fenômeno biológico: com a circulação sanguínea umedecendo, por anos a fio, aquela perna de mogno secular, esta começou a brotar para surpresa sua. E dos brotos vieram pujantes galhos, e tudo frondoso ficou. Disse-me que chamava a atenção quando montava o animal, lá pelo lugar, próximo à Bagé - insistia - sob uma generosa sombra-ambulante, saboreando o seu amargo. E terminava sempre dizendo: “Olha, não dou morto por testemunha! “Além das outras qualidades nobres dele, podemos esquecer de um amigo desses?

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