Rubens Amador

Histórias da infância

Por Rubens Amador
Jornalista

Lembro-me bem das histórias infantis que me contavam. Quem era mestra neste mister – sem cansaço – era minha querida tia Dorina. Suas histórias eram sempre plenas de deliberado objetivo educacional, no seu modesto entender. Essa tia era também pródiga em elogios quando eu era merecedor. Acho que ela foi mestra instintiva das mais raras, num tempo de educação influenciada pelo período vitoriano, onde a criança era manejada só com o olhar dos pais, aprovando ou não.

Vivia lendo. Era imaginativa e pacienciosa, como já disse. Nunca mais esqueci das histórias que ela contou, livro em punho, onde haviam ilustrações sem cor, de um menino que mentia muito. Sempre que ele ia se banhar em um riacho, junto com vários amigos, começava a gritar por socorro. “Socorro! Socorro!”, e todos partiam para cima dele, assustados, com o objetivo de salvá-lo de iminente afogamento. Aí ele caía na risada pela peça que pregara aos seus amigos. Não havia vez que fossem nadar no riozinho que ele não fizesse aquela brincadeira. Até que um dia caiu num buraco, fundo, e realmente estava se afogando. Gritava desesperado por socorro. Mas desta vez a turma se combinou que iria frustrá-lo e não deixariam fazer mais ninguém de bobo. Todo mundo fez ouvidos moucos ante os apelos desesperados. Pois naquele dia ele não estava brincando e acabou morrendo afogado.

De vários desses contos eu não me esqueci das lições neles embutidas. Tinha uma outra história que tia Dorina contava que muito me impressionou. Era a de um menino que aonde ia gostava de pegar coisas alheias. Fazia pequenos furtos que levava para casa. Sua mãe, ao vê-lo com aquelas novidades, que às vezes era um mero brinquedo, noutras objetos de algum valor, ao invés de indagar da criança como e onde obtivera aquilo, a mal preparada mãe exaltava a “qualidade” do filho em ganhar e achar coisas, aceitando suas infantis explicações. Pois este menino se tornou homem e um ladrão incorrigível. As leis da época eram muito rigorosas (enfatizava minha tia) e ao cabo de muitos anos de roubos e furtos, um dia foi preso e condenado sumariamente à morte por enforcamento.

Era grande a aglomeração para assistir àquela sentença. O filho, já homem de meia idade, magro e muito pálido, pede aos seus carrascos que o deixem beijar sua mãe pela última vez. Por todos passou um “frisson” de emoção. E a velha mulher, caminhando já com dificuldade, é levada até o filho condenado à morte. Ele enlaça-a com seus braços nus, aproxima sua cabeça da face da mãe encanecida e, de súbito, morde-a fortemente em seu nariz, arrancando-o. O pobre homem então brada entre lágrimas: “Mãe, isto é para que nunca te esqueças de que não me corrigiste quando em criança eu pegava objetos dos outros, encorajando-me com teu silêncio”. O fim da história horrível foi o som de seu corpo despencando no vazio, no patíbulo.

Provavelmente hoje um psicólogo fique horrorizado com os contos que se contavam às crianças. Possivelmente nessas histórias havia preocupação de educar por aquele processo rude. Não sei até que ponto isso seria nocivo se contado às crianças de hoje. E se as rudezas aventadas aqui prejudicavam ou não. O que sei é que muitas crianças de minha época ouviam histórias desse jaez, entremeadas com contos de Grimm e de Collodi. Mas o de que tenho certeza é que, enquanto viver, jamais vou esquecer daquela mulher sem muitos estudos, mas inteligente, bondosa e cheia de amor por seu sobrinho, que se deslumbrava com o livro que ela empunhava, narrando suas histórias, e que se chamava Pérolas Esparsas.

Já moço, ela, certo dia, em um de meus aniversários, me deu aquele livro. E eu, na minha inexperiência, não soube guardar aquela preciosidade em forma de livro, que acabou se perdendo nos desvãos da vida, para minha tristeza. Pena que os meninos de hoje não ouçam mais histórias contadas por seus maiores. Os celulares e a internet não lhes deixam tempo para essas coisas do passado.​

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