Artigo

Lella & Abigail, parceria insuspeita

Por
Paulo Rosa
pediatra pelo Hospital dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro [email protected]

Corre o século 21 quando Lella, 5 anos, aproveitando seus pais na sala, declara: "tenho uma coisa pra dizer: tive uma percepção... - e qual é? - Os meninos são mais fortes, mas as meninas são mais espertas".

Corta para o século 18. Quase trezentos anos antes, ao longo do mês de março de 1776, Abigail, pelos 60 +, esposa do futuro presidente dos EUA, John Adams, escreve ao marido, pouco antes de que a Declaração de Independência fosse elaborada: "[N]o novo código de leis que suponho terá de criar, espero que você se lembre das Senhoras e que seja mais generoso e favorável a elas do que seus antecessores. Não coloque poder ilimitado nas mãos dos Maridos. Lembre-se de que, se pudessem, todos os Homens seriam tiranos. Se cuidados e atenção especial não forem dedicados às Senhoras, estamos determinadas a fomentar uma Rebelião e não nos submeter a quaisquer Leis nas quais não temos voz ou Representação. Que seu gênero é naturalmente tirânico é uma verdade tão profundamente estabelecida que não admite contestação; mas há os que, entre vocês, desejam alegremente se dispor a desistir do duro papel de senhor em troca do mais suave e terno de amigo."

Segundo presidente dos EUA, Adams rejeitou as revolucionárias propostas da esposa, ao que parece, com uma brincadeira, dizendo que os homens temiam um "despotismo das anáguas". Abigail não lhe deu trégua, respondendo: "Enquanto você está proclamando a paz e a boa vontade aos homens […] você deve lembrar que o poder arbitrário é como a maioria das coisas muito difíceis, sujeitas a se quebrarem e, apesar de todas as suas leis e máximas sensatas, está em nosso poder, não só nos libertar, mas subjugar nossos senhores e, sem violência, atirar sua autoridade natural e legal a nossos pés." A revolução de Abigail Adams levou mais de um século para ganhar corpo, passando as norte-americanas a poderem votar apenas em 1920 - no Brasil, em 1932. Igualdades extensas, aqui e lá, ainda por acontecer.

Antonella Turri Schnitzer, a Lella, é, como Abigail, amazonicamente observadora. Nada lhe escapa. O recurso verbal, avassalador. Usar, com precisão, a palavra "percepção", na primeira infância, faz confiar nas novas gerações. Sob os renovados estímulos de hoje, as crianças atuais têm tudo para superar-nos, podendo pensar de forma nova sobre velhos modelos que estão ainda a afogar-nos: desigualdades, preconceitos, fobias, populismos rastaqueras, cultos à estupidez, à simplificação, à corrupção. É bíblica a recomendação de dar ouvidos às crianças. O "vinde a mim as criancinhas" possibilita que conheçamos a visão de mundo, o "weltanschaaung" límpido e não preconceituoso da gurizada, mediante o qual poderíamos desanuviar-nos.

As referências a Abigail Adams estão no livro Empresas que curam, de Sisodia e Gelb, página 6, uma crítica consistente à cultura contemporânea, bem além de meras questões de empresas.


Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Venezuela X Guiana

Próximo

Quem foi Kissinger?

Deixe seu comentário