Editorial
Lula e Lira jogando contra
Em um Brasil de raríssimos consensos, há um ponto que, mesmo sem 100% de concordância, é perceptível a adesão da maioria: a visão de que é preciso acalmar ânimos na disputa político-ideológica acirrada ao longo da última década. Autoridades, empresários, trabalhadores, cientistas políticos, economistas, analistas das mais diferentes áreas reforçam essa necessidade como essencial para que o País retome aceitável normalidade institucional e possa, a partir disso, enfrentar seus desafios. No discurso, todos concordam. Na prática, contudo, os personagens mais relevantes para essa tarefa agem na contramão.
Evidências disso foram escancaradas em Brasília durante a semana. Tanto o presidente Lula (PT), quanto o Congresso - em especial o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) - não conseguiram esconder a dificuldade em colocar água na fervura.
Em iniciativa louvável de liderar a reaproximação dos países sul-americanos, o presidente promoveu uma cúpula com os chefes de Estado da região. No entanto, conseguiu ofuscar a própria iniciativa ao dar a Nicolás Maduro, responsável por regime comprovadamente antidemocrático, autoritário e violento na Venezuela, tratamento de exaltação. A ponto de adjetivar como "narrativas" as inúmeras denúncias e ações documentadas do presidente venezuelano contra os direitos humanos e a democracia.
Não satisfeito com o arroubo que já havia elevado a temperatura da briga ideológica no País, Lula decidiu, na quinta-feira, oficializar a indicação de Cristiano Zanin ao Supremo Tribunal Federal. Ainda que Zanin possa vir a ter o notório saber jurídico exigido para o cargo, é inegável que a barreira da impessoalidade exigida de qualquer agente público ao exercer seus poderes foi rompida com a escolha presidencial de levar ao STF seu advogado pessoal. Postura, aliás, criticada por Lula durante a campanha eleitoral ao falar da forma com que seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), lidava com a questão.
Já a Câmara, através de Lira, seus apoiadores e bolsonaristas, decidiu desrespeitar o básico de uma relação saudável entre os Poderes ao emparedar o governo com a possibilidade de não aprovar a estrutura ministerial. Ou seja, sob alegações como a desarticulação política do Planalto, argumento visivelmente carente de sustentação que justifique tal postura, o presidente da Câmara ameaçou Lula de ter que governar com modelo administrativo estabelecido por Bolsonaro. Algo que significaria enorme prejuízo para políticas públicas planejadas pela gestão eleita. Logo, uma iniciativa que respingaria em toda a população.
Lula, Lira e tantos outros políticos parecem não ter entendido ainda que o Brasil tem potencial _ e precisa urgentemente _ crescer e superar suas mazelas, mas que para isso há de existir ponderação e pragmatismo. Com discursos e ações jogando contra, fica muito mais difícil.
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