Sergio Cruz Lima

Mestre Policarpo

Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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No Brasil-Império, vivia na capital do País um estimado músico da capela imperial. Seu nome: Policarpo. Era uma pessoa alegre, expansiva, jovial, às vezes caturra, mas quase sempre disposta a brincadeiras inofensivas. Na capela, os colegas o tratavam com amenidade, complacência, carinho e o distinguiam com louvor. Porém, em um diminuto lapso de tempo, notou-se-lhe íntima diferença nos modos, nos gestos, na maneira simples de ser, no semblante agora triste e sombrio. "Alguma coisa vai mal com nosso querido mestre Policarpo!", exclamavam os amigos à boca pequena.

E como se revelaram as perturbações mentais e psicológicas que colocaram mestre Policarpo alvo das atenções populares e lhe facilitaram a entrada no palácio aéreo dos tipos de rua do velho Rio de Janeiro? Ora, do modo mais simples e original, sob forma momentosa e palpitantemente nova e característica. Policarpo não implicava com os vizinhos, não provocava os transeuntes, não agredia e não descompunha a ninguém. Era um boa praça. Até aí fora injustiça qualquer acusação, qualquer censura, a mínima desconfiança a respeito de sua integridade mental. Das cinco horas da tarde por diante, porém, o negócio se complicava. Aí a estória era outra. Policarpo vestia um largo paletó de padrão escocês muito colorido, enfiava a cabeça em uma carapuça de baeta vermelha, dava de mão na rabeca, metia-a debaixo do braço e saía…

Mas para que local ia o Policarpo com o seu sonho insensato? Com tal assiduidade, a que castelo feudal se dirigia aquele menestrel da carapuça vermelha e chambrão colorado? Religiosamente, ele ia à casa do seu fiel amigo Paiva, novel funcionário do Correio e residente à rua das Marrecas. Apenas entrava, o Paiva, que já o aguardava ansiosamente, sacava o violão, consertava a prima, afinava-o e percorria a escala musical. Tudo acertado, ambos demandavam a rua.

E da porta do Passeio Público ao chafariz das Marrecas, e do chafariz das Marrecas à porta do Passeio Público, a dupla Policarpo e Paiva andava, diuturnamente, em apoquentadora serenata desde o escurecer até a meia-noite, mas - per Baco! - executando apenas duas peças de música, ambas enfadonhas e desconchavadas. Imagine-se o suplício da vizinhança!

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