Opinião
O beijo transformado
Por Gustavo Jaccottet
Advogado
O fim da Segunda Guerra Mundial marcou um momento histórico, especialmente nas ruas de Nova Iorque, onde a multidão celebrou o retorno dos "meninos para casa", em um cenário que poderia ser comparado à euforia brasileira em dias de Copa do Mundo ou na recepção de times campeões. Essa celebração, um misto de razão e loucura, desencadeou atos inesperados, semelhante ao que ocorria nos Bailes de Carnaval, embora a Geração Z talvez ainda não esteja pronta para captar a essência desses festejos, assim como eu, representante da Geração Coca Cola, tento compreender as emoções daqueles que celebraram o término da guerra.
Na busca pela cena perfeita, que simbolizasse esse momento, fotógrafos capturaram a imagem icônica de um marinheiro, George, beijando casualmente uma enfermeira, Greta, uma foto que se tornaria um marco nos livros de história. O interessante é questionar: se essa foto fosse tirada hoje, que repercussões teria? As questões polêmicas nos EUA estão em ebulição. A Suprema Corte de Justiça deixou para junho a resposta sobre se vai regular ou não as redes sociais, a partir de leis da Flórida e do Texas, que podem causar mudanças na neutralidade da liberdade de expressão dentro das redes sociais. Em um contexto onde a tentativa de reescrever o presente, apagando fatos do passado, ganha força, ecoa-se as distopias orwellianas, A Revolução dos Bichos e 1984, onde a manipulação da verdade e das narrativas é uma ferramenta de poder.
Refletindo sobre o impacto dessa mudança de percepção no contexto atual, o marinheiro, possivelmente, enfrentaria acusações de importunação sexual, enquanto a enfermeira poderia compartilhar os traumas sofridos após o ato em entrevistas televisivas. É importante destacar que, apesar de não concordar com condutas involuntárias, o contexto da época era de uma celebração pública, um momento de efervescência coletiva em Nova Iorque, cercado de uma atmosfera de festa que, inadvertidamente, moldou aquele instante capturado pela fotografia.
No entanto, hoje enfrentamos o desafio de entender tais eventos sob uma nova luz, sem cair na armadilha da vitimização ou do revisionismo histórico, que é algo que assinalo como periculoso e temível. Qualquer tentativa de apagar com Photoshop o charuto de Winston Churchill ou as piteiras de Marilyn Monroe pode causar problemas não apenas sérios, mas também morais.
É crucial reconhecer a importância de contextos históricos específicos, ao mesmo tempo em que refletimos sobre como nossas percepções evoluem. Este exercício de compreensão não apenas nos ajuda a apreciar a complexidade dos momentos históricos, mas também a enfrentar os dilemas atuais de forma prática. Teria, ou não, o marinheiro já flertado com a enfermeira? Se colocarmos esta pergunta antes da sentença, a própria interpretação de toda uma problemática supostamente aguda cai por terra.
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