Editorial

O fim de uma tese esdrúxula

O Brasil enfrenta uma triste realidade: a violência contra mulheres tem se mostrado alarmantemente recorrente. Como revelado há cerca de dez dias pelo 17º Anuário de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado houve crescimento de todas as formas de crimes contra esta parcela da população. Em destaque - negativo - aparecem os estupros, com 74,9 mil ocorrências, o que significa 205 por dia e o maior número desde 2011, e os feminicídios, que tiveram alta de 6,6% em relação ao ano anterior, chegando a 1,4 mil vítimas.

Tão preocupante quanto estes números assustadores é um agravante que até então continuava presente em alguns casos que chegam à Justiça: a tese de "legítima defesa da honra" como tentativa de justificar a barbárie do assassinato destas mulheres. Ontem, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade e de forma definitiva, este argumento sustentado pelas defesas de alguns dos criminosos.

A postura do Judiciário, ainda que atrasada diante de uma tese arcaica e que remonta a tempos em que a sociedade via a mulher como objeto pertencente ao homem, não deixa de significar uma decisão firme e coerente. Afinal, a "legítima defesa da honra" nada mais é do que uma desculpa absurda e desumana para justificar atos de violência. No entanto, a honra de uma pessoa não pode ser resguardada mediante a desgraça e o sofrimento de outra.

Era inaceitável que essa noção ultrapassada continuasse a ser utilizada em tribunais para tentar eximir agressores de suas responsabilidades. A aplicação dessa tese desvaloriza a vida das mulheres, negando-lhes o direito à segurança e à integridade física e psicológica. Perpetua a cultura do machismo, raiz de grande parte das violências de gênero.

A rejeição enfática, através de toda a Corte Suprema, da tese de legítima defesa da honra é fundamental para sinalizar a seriedade com que o País encara a luta contra a violência de gênero. As decisões judiciais devem ser pautadas por critérios justos, igualitários e sensíveis à realidade das mulheres, não permitindo que a cultura patriarcal e misógina permeie os tribunais.

A prevenção à violência deve ser política de Estado e a devida proteção das vítimas precisa ser prioridade, com punição rigorosa dos agressores. Somente assim, e com a sociedade inteira se mobilizando contra o machismo desde a educação para a igualdade de gênero na infância, será possível reverter o cenário trágico que os números retratam.

Que a justiça prevaleça. Agora com o Estado brasileiro e sua representação maior da legalidade se posicionando no lado certo da história, defendendo os direitos das mulheres e uma sociedade livre de violência de gênero.

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