Opinião
O mosteiro
Por Rubens Amador
Jornalista
Ormênio, depois de muito filosofar resolveu partir para nova vida.
Ficou sabendo de uma rigorosa seita, no Tibet, que aceitava pessoas que se despojassem de tudo que fosse material.
Depois de uma íngreme escalada, chegou finalmente ao tal Mosteiro tibetano. Bateu à porta, faminto, andrajoso, na maior pobreza. Nosso personagem disse logo a que vinha, e foi levado à frente do Lama.
"Gostaria de só orar e meditar, em regime da mais profunda dureza, para purificar minha alma de pecador, Mestre."
O líder religioso falou: "Encontraste a tua casa, filho. Para teres uma ideia de nossa meditação profunda, aqui cada interno tem direito a pronunciar só duas palavras de dez em dez anos!"
"Aceito com alegria, Mestre. Oxalá eu seja digno de tanta bondade".
E foi aceito. Depois de rápida cerimônia, obrigaram-no a jogar fora uma ventarola de papelão com que se abanara durante sua caminhada, propaganda de um xarope. Aquilo, lá, era considerado luxo!
Passados os primeiros dez anos de internato é chegado o dia do nosso herói pronunciar as suas primeiras duas palavras!
Havia um parlatório secular, de carvalho, no centro de pequeno átrio. O Lama ficava numa liteira de palha. Os monges se preparavam para ouvir as duas primeiras palavras do novel irmão, mãos postas no peito e cabeças abaixadas.
O Lama faz um delicado sinal com a mão direita, para que o iniciado pronunciasse suas duas sentenças.
Ormênio ergue a cabeça e diz, como um brado : "Comida ruim!"
É feita uma prece em hindustão antigo, e com novo gesto do Lama, o interno desce as escadas, encerrando-se assim aquela primeira reunião decenal.
Eis que chegam os novos dez anos das segundas duas palavras. O ritual repete-se. Silêncio profundo. Recebido o sinal o homem fala, lacônico, como se impunha.
"Comida fria!"
Articuladas as duas palavras da cerimônia, com novo gesto de mão o Lama convida o pronunciante a recolher-se e aguardar seus próximos dez anos.
Já a três décadas de interno naquele severo mosteiro tibetano, cabelo grisalho e muito magro, aproxima-se Ormênio do átrio, para a famosa declinação decenal das duas ritualísticas palavras a que tinha direito, no agora trintenário período.
Novo gesto delicado do Lama leva o irmão ao parlatório, que pronuncia, com certa ansiedade, as duas palavras ritualísticas que lhe cabiam: "Vou embora!"
Aí o Lama levanta-se, agastado, já sem a dignidade própria da sua elevada condição monástica, e diz, mãos à cintura: "Eu sabia que este negócio ia acabar nisto. Você vive reclamando!"
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