Celina Brod
O que está acontecendo aqui, Sr. Presidente?
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Imagine dois meninos usando os braços e as pernas em movimentos rápidos e bruscos. Eles emitem grunhidos, as bochechas estão vermelhas e eles estão empenhados no que fazem. Um dos meninos é seu filho, você avista a cena e acelera o passo para conseguir entender o que se passa. Ao se aproximar, pergunta ao adulto responsável: “o que está acontecendo aqui?” Ele responde: “eles estão brincando, um é o Coringa e outro o Batman”. Aliviada, você resolve sentar e esperar a brincadeira acabar. Agora imagine a mesma cena, com exatamente os mesmos elementos. Porém, ao perguntar “o que está acontecendo aqui?” a resposta que você escuta é: “eles estão brigando!”. Você sentaria ou teria outra atitude no lugar? Por vezes, uma palavra é suficiente para mudar radicalmente nossa reação diante de um fato.
Isso se chama enquadramento, enquadrar algo significa fornecer um significado e definir as crenças que alguém formará sobre o que vê passar. O enquadramento molda nossa visão e recepção dos fatos ao organizar a experiência através da linguagem. Enquadrar, nada mais é que fornecer uma resposta para a pergunta: “o que está acontecendo aqui?”. Todos somos “enquadradores” e temos algum poder de fabricar as interpretações que queremos gerar sobre algum acontecimento. Em eventos inesperados ou quando há coincidências fascinantes, em que as causas não estão aparentes, o discurso daquele que enquadrar os fatos influenciará as crenças daqueles que levam o dono do enquadramento a sério. Ele pode suspender o juízo, esperar para dar uma explicação baseada em evidências ou fornecer uma pseudo-explicação. Se a pseudo-explicação for convincente ou corresponder uma expectativa pré-existente do ouvinte, ela terá força de gerar uma crença.
É por isso que alguns acreditam em explicações improváveis e tomam como real uma provável mentira, como uma criança que ao invés de tentar descobrir a explicação de uma mágica, acredita nos poderes da varinha. Um show de mágica encanta porque aquilo que temos convicção que não pode acontecer, acontece diante dos nossos olhos, como uma mulher ser cortada ao meio e unida novamente. Quanto mais acreditamos ser impossível que evento x aconteça, maior o efeito da mágica na nossa mente. A diferença é que sabemos que o mágico está nos enganando, só não sabemos como. Diferente de alguém que promete adivinhar seus pensamentos graças a forças sobre-humanas. No último caso, você provavelmente está sendo enganado, mas como o fenômeno é enquadrado como sério e crível, algumas pessoas acham justificável acreditar no que está sendo dito.
Líderes políticos são poderosos enquadradores da realidade e moldam o que será levado a sério ou não no debate público. Quando são confrontados com a pergunta: “o que está acontecendo aqui?” Suas respostas influenciam o nosso comportamento e sentimento. Se um político dá uma explicação que não tem certeza, ou promove desconfiança infundada, ele está influenciando a recepção da informação e, consequentemente, as crenças para aquela situação. Se a resposta para a pergunta é: “isso não passa de uma armação”, ele está dizendo que o que vemos é uma ilusão e que há conspiração. As pessoas que o levam a sério sentem-se, então, autorizadas a desacreditar na versão oficial das instituições.
O Brasil passou os últimos quatro anos enfrentando o ilusionismo político, é justamente por isso que Lula tem ainda mais responsabilidade pela realidade que fabrica. Ele é apenas o novo presidente e não está imune à crítica, explicações extraordinárias não são menos erradas porque agora vêm da boca de outro cacique. Ele, um chefe de Estado, depois dos modus operandi bolsonaristas, não deveria confabular teses que irão gerar crises políticas. Por maior que seja sua compreensível indignação pessoal, as pessoas o escolheram como presidente, votaram na sua promessa de crescimento, transparência e união e, também, porque acreditavam estar vetando mais quatro anos de ódio e ilusão.
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