Inscrições do Revalida para provas de habilidades clínicas terminam nesta terça |
Opinião
O que será que vão pensar de mim?
Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
celinaabrod@gmail.com
Poucos conseguem atingir a liberdade de pensamento de alguém como Dercy Gonçalves, que ao dar uma entrevista disse o seguinte: "eu não sei se agrado ou desagrado, eu não quero agradar, se eu desagrado ser assim, foda-se". Já na soleira da mente da maioria, vive um guarda afincado disfarçado de pergunta: "o que será que vão pensar de mim?". Reféns de si vivem decifrando quais opiniões caem bem entre suas redes de espelhos. Andam pela rotina filtrando o que vão dizer, fazer, defender ou criticar e engasgam a liberdade com medo da rejeição. Secretamente reproduzem em suas cabeças as frases que os outros poderão pensar ao seu respeito. Logo, começam a autoinspeção: "melhor eu não dizer isso", "vou apagar esse post", "vou postar isso para saberem que eu me importo", "vou fingir que não li essa notícia para não descredibilizar meu político favorito", "se eu não usar tal linguagem vão pensar que não sou de esquerda", "se eu compartilhar isso darei argumentos para a direita", "melhor não dar minha opinião, meus colegas me chamarão disso ou daquilo".
Pessoas como Dercy não esperam morrer para romper os grilhões do julgamento, pois sabem que a liberdade de si vale mais do que uma reputação bonita aos olhos da tribo. Algo me diz que o tamanho da liberdade de Dercy é proporcional à intensidade de uma dor vencida. Todo ser desmamado do bando traz consigo feridas profundas, são pessoas que tiveram que esculpir amor próprio, pois cresceram sem um "outro" que lhe amasse tanto. O resto de nós carrega essa disposição pan-humana de querer agradar o tempo todo e, em nome disso, refletimos o corpo de ideias que o grupo sustenta para não sermos identificados como indignos ou suspeitos. Estudos sustentam que conflitos ancestrais intergrupais fizeram com que desenvolvêssemos esse radar social para detectar quem estava dentro ou fora do grupo aliado. Disputas políticas aguçam nossa psicologia de tribo e, por proteção, sinalizamos as crenças que irão trazer recompensa social ao invés de castigo.
A consequência da pergunta "o que vão pensar de mim?" é que, além de amordaçar nossa autenticidade, deixamos de avaliar as informações que recebemos de modo mais inteligente e solitário. O medo da rejeição social, a vontade de querer fortalecer o grupo que pertencemos e o desejo de enfraquecer o grupo inimigo transforma nosso julgamento em advogado de parceiros ao invés de cientista em busca de algo verdadeiro. O nome disso é favoritismo de grupo. Somos mais simpáticos e compreensivos com os nossos, enquanto a crítica e a responsabilização é dura com quem está do lado de fora. Segue o cálculo: o custo social de uma opinião pode ser mais caro que o custo de fingir acreditar na maioria, de ficar em silêncio ou de omitir uma crítica.
O favoritismo de grupo abre portas para uma epistemologia ideológica, aqui não são os indivíduos que são avaliados com favoritismo, mas a própria realidade empírica. Descartamos a informação que diminui o prestígio do grupo aliado e abraçamos informações que reforçam as razões para a manutenção da lealdade. Essa homofilia, amor apenas aos semelhantes, faz com que sejamos céticos e crentes propositados: duvidamos ou acreditamos das informações calculando apenas ganhos sociais. Em tempos de vida virtual, dizer somente aquilo que beneficia minha tribo compra maior atenção, admiração, likes e pertencimento. Resumindo, a pressão seletiva da tribo ganha da autonomia.
"O que será que vão pensar de mim?" é uma pergunta velha que faz casa em cada um que se sente ameaçado pelo desagrado. Com a economia da atenção, em que a competição pelos segundos de engajamento nas redes é o novo dinheiro, recorrer a epistemologia ideológica para não perder prestígio ou seguidores ficou mais evidente. Mas, também ficou mais fácil identificar os adeptos ao favoritismo e cognição distorcida, basta prestar atenção no padrão de comportamento e fazer a seguinte pergunta: o pau que bate em Chico, também bate em Francisco?
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário