Marcelo Dutra da Silva

O resgate ambiental do Estado brasileiro

Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo
[email protected]

Estamos acompanhando a desocupação das áreas de garimpo, instaladas em Terras Indígenas (TI) Yanomami, na Amazônia. Alguns garimpeiros fogem e são interceptados pelo caminho, enquanto outros, ainda, são abordados em plena atividade. Tudo que é encontrado pelas forças é completamente destruído, sejam equipamentos, máquinas pesadas, embarcações, aeronaves, pistas para pouso e decolagem, o acampamento inteiro. Nada é deixado de pé, para evitar que possa ser reutilizado na prática criminosa do garimpo não autorizado, que destrói, contamina e mata.

A reintegração do território Yanomami e a expulsão do garimpo ilegal na Amazônia são simbólicos, pois o mundo inteiro esperava por uma resposta do Estado brasileiro, frente à destruição da floresta, dos ataques sistemáticos aos povos originários e desmonte das políticas ambientais, tentadas e executadas pelo governo Bolsonaro. Mudanças que foram além do regramento administrativo e que contaram com forte apoio das bancadas "da bala e ruralista", dentro do Congresso Nacional.

O fim do licenciamento é talvez a proposta de lei mais polêmica em tramitação no Congresso. A nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, PL 3729/2004, apelidada de "mãe das boiadas", foi aprovada na Câmara dos Deputados em 2021. O projeto prevê a flexibilização do licenciamento para uma série de empreendimentos como rodovias, ferrovias e gasodutos e cria um processo de autolicenciamento para outros. A medida inclui a redução do papel dos órgãos ambientais na fiscalização e diminui as responsabilidades de empreendedores em projetos e obras potencialmente danosas ao meio ambiente. Algo terrível, defendido em nome da falsa promessa de agilidade.

Já no PL 5518/2020, chamado de financeirização do meio ambiente, fica alterada a Lei de Gestão de Florestas Públicas. De acordo com o Serviço Florestal Brasileiro, o Brasil conta com 311,6 milhões de hectares de florestas _ 33% do território, sendo que atualmente um milhão de hectares são concedidos à iniciativa privada. O projeto simplifica o processo de concessão, acelera o licenciamento e passa a autorizar a unificação de operações de áreas concedidas, tornando possível uma mesma empresa administrar diversas áreas ao mesmo tempo. Agiliza, mas inspira cuidados.

De outra parte, vivemos nos últimos quatro anos o libera geral dos agrotóxicos. Em 2021, Bolsonaro alterou a Lei dos Agrotóxicos de 1989 para liberar e flexibilizar o registro de pesticidas que causam câncer. Em pouco mais de três anos de governo, foi aprovado o uso de mais de mil novos agrotóxicos, totalizando 1/3 de todos os já aprovados no País (três mil). A Câmara aprovou ainda o PL 6299/2002, que altera o controle da autorização de novos agrotóxicos, excluindo o papel da Anvisa e do Ibama. Com isso, o processo de autorização passa a ser centralizado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

E é claro, o ataque escancarado aos povos indígenas, por meio do PL 191/2020 que regulamenta quase qualquer tipo de empreendimento em TI, como atividade de mineração, hidrelétricas e exploração de hidrocarbonetos, como o gás e o petróleo. O projeto também autoriza, de forma indiscriminada, a realização de estudos técnicos prévios para avaliar o potencial exploratório de áreas naturais _ sem a necessidade de qualquer autorização do Congresso, do governo ou das comunidades que vivem nessas áreas.

A lista é enorme, como também mostra o Movimento dos Atingidos por Barragens, uma outra questão urgente no Brasil. Infelizmente, prevalece a tendência de distorção dos fatos e talvez por isso, nós cientistas, que conhecemos a pressão política e econômica sobre a lei ambiental, acabamos tendo que publicar lá fora, em revistas científicas renomadas. Artigos como o que publiquei, recentemente, na Environmental Conservation, sobre a linha do tempo da agenda de destruição assumida pelo governo Bolsonaro (Brazil: environment under attack).

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

PT 43 anos: contradições, resiliência, desafios e esperança

Próximo

Inteligência artificial: servidão ou liberdade?

Deixe seu comentário