Paulo Rosa

Poemas em barril de carvalho

Paulo Rosa
Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Telemedicina PM Pelotas, Hospital Espírita
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Pois La Carpi oferece-nos poesia envelhecida. Ela, Maria Carpi, deixou que o tempo ancestral trabalhasse os versos de seu mais recente, A esperança contra a esperança, AGE, Porto Alegre, 2023. Os bons espíritos também se aproximam dos céus quando o tempo se une à boa madeira para o trabalho silencioso e inefável, que nos leva a beber o que encanta. A poeta revela que assim deixou sua "poesia decantar" - por mais de dez anos - quando, por fim, mobilizada pelas agruras ante esta última pandemia universal, face ao esforço conjunto da humanidade, alicerçada na ciência, na fraternidade, decidiu-se La Carpi a brindar-nos com seu vinho. Generosamente, antes de chegarmos ao coração do livro, La Carpi aponta-nos que esperança não é janela, nem porta e muito menos ponto de fuga e, sim, que ela se liga "à perseverança em continuar a caminhada, apesar das intempéries do acaso, das provações da incerteza, da brutalidade das agressões e até mesmo das hecatombes. Sem falar dos holocaustos" [...] "Não é um 'oxalá', um 'tomara', um 'quiçá', uma borboleta no desvario, um devaneio de dias melhores. Nunca será também apenas subjetiva, mas uma esperança coletiva que levanta toda uma comunidade, uma pátria" [...] "Apelo ao poeta da filosofia, Kierkegaard, que a torna um encontro pessoal quando afirma: 'Não sei quem és, onde estás, qual o teu nome. Todavia, 'és a minha esperança'."

Os versos dos dois primeiros poemas te estremecem: "Eu não tenho medo / do inferno. Tenho // medo do paraíso. / Eu não tenho medo // do ódio, mas medo / avassalador, sem // costura, do amor. / O medo é meu caminho". // Eu tenho também medo / da escrita. Medo / de que meus rios / nela não fluam, // que as árvores nela / não deem fruto. / Medo do amor / capturado pela palavra // como os peixes na rede / do pescador. / Agora, a escrita / tem medo de mim, // estreita porta. / Como a pomba / no alçapão da tinta. / Sou o alarido da seiva".

Que Maria nos convide a entrar em sua casa, abrindo a porta do medo, e convidando-nos a passar, é gesto de desassombro e coragem. E neste clima desinquieto a poeta expõe-nos a que não separemos o joio e o trigo, ao contrário, que os tomemos juntos, pois juntos nascem, vivem e se inter-ferem. Como nós. A poeta evoca na passagem o inescapável assinalamento de Terêncio, de que aquilo que está nas gentes, por pior ou melhor que seja, estará em mim. É a valorização da desvalia: "O centro de gravidade / da esperança é a valia / da desvalia. Uma árvore / sem sombra. As asas / de folhas e páginas / ainda na capa do tronco / que o inverno despiu. / Então a esperança nasce, / da coragem e do medo. // Da coragem de manter / o medo de pé, intacto, / frente ao sol, sem sombra".

Dedico o texto ao jovem analista, insistindo que não haverá análise se desprovidos estivermos de passaporte poético. Um sine qua non. Dirijo-me também a La Carpi, com seus passaportes para terras da alma.

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