Opinião

Rumo ao exílio

Por Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
[email protected]

O "Alagoas", acompanhado pelo encouraçado "Riachuelo", navega as águas atlânticas no litoral brasileiro. Os dias se sucedem com a regularidade e a monotonia de todas as vidas de bordo. A viagem é aborrecida pela marcha vagarosa do navio. Não que o "Alagoas" seja lento no navegar, mas porque seu comandante tem severas instruções para não se distanciar demasiadamente do encouraçado, que o comboia, este, sim, que faz apenas seis a oito milhas por hora. Sempre tão sereno, dom Pedro II acaba por agastar-se com tanta morosidade. E reclama. "Diga ao tenente Magalhães Castro que se o 'Riachuelo' é honraria, dispenso-a. O Brasil não me quer, vou-me embora!" Livre do encouraçado, corre o "Alagoas", livre da guarda formidável, que tantos dias o detivera a meia marcha. Claro que a monotonia de bordo não se altera, mas a esperança de chegar mais cedo ao destino faz algum bem aos ânimos abatidos.

No litoral pernambucano, o navio afasta-se da costa brasileira. Pouco depois passa ao largo da ilha de Fernando de Noronha, a derradeira terra brasileira à vista. Um pombo com uma última mensagem assinada por todos os exilados - dom Pedro escrevera num pedaço de papel "Saudades do Brasil" - é lançado ao mar. O pássaro alça o voo, impelido por uma rajada de vento. Mas não tarda em cair e desaparecer nas águas do Atlântico, sob as vistas emocionadas dos exilados que cercam o velho imperador. Perde-se, assim, a derradeira possibilidade de comunicação com o berço natal. É bem o exílio!

Madrugador, dom Pedro é o primeiro a aparecer no tombadilho. Diariamente, recebe do comandante do navio o número de milhas percorridas nas últimas 24 horas. Ele próprio, então, sabedor da distância até o porto de desembarque, calcula as milhas que ainda faltam a percorrer. A grande parte do dia, porém, passa sentado ao lado de uma mesinha, colocada no tombadilho, perto do portaló, sobre a qual sempre há livros, lápis e papel. Horas e horas deixa-se ficar ali, lendo ou escrevendo. Como era seu hábito, anota os livros lidos. São observações ou reflexões que lança à margem, a lápis, sugeridas por uma passagem ou citação mais sugestiva. Em pedaços de papéis, rascunha poesias, sonetos em grande parte, com letra irregular, cheia de emendas e permutas de vocábulos. Seus temas prediletos, quase únicos, dessas poesias, são a honestidade do seu procedimento, como chefe de Estado e como homem, o cumprimento do dever, o respeito à liberdade e o desvelado e jamais desmentido amor pelo Brasil.


Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Sobre fronteiras e documentos: santa paciência!

Próximo

Previna-se! Trate-se!

Deixe seu comentário