Artur Marques da Silva Filho
Servidores públicos devem trabalhar para a sociedade e não para governos
Artur Marques da Silva Filho
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (Afpesp)
A estabilidade no setor público brasileiro, introduzida na Constituição de 1934 e ratificada na Carta Magna de 1988, em seu Artigo 41, atende a um preceito global das nações democráticas, de tornar o funcionalismo imune à alternância partidária e ideológica nos governos e às influências políticas e de interesses de grupos. Resguarda-se, assim, o direito da população a serviços eficazes e isonômicos.
Para que essa condição seja garantida também é essencial que a contratação dos servidores baseie-se em critérios técnicos, conhecimento e capacitação, sem qualquer interferência de políticos, autoridades ou segmentos da sociedade e do poder econômico. Daí o significado e a fundamentação dos concursos públicos. O primeiro deles, organizado de modo semelhante ao que há atualmente, realizou-se em 1937, quando cerca de cinco mil candidatos disputaram vagas no então Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi).
Com o tempo, muitos aperfeiçoamentos verificaram-se no âmbito dos concursos públicos, essenciais à admissão de profissionais capacitados à prestação de serviços aos brasileiros. Estamos falando, dentre outros, de professores, médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, delegados de polícia, investigadores e outras carreiras da segurança, fiscais, engenheiros, geólogos, magistrados, cartorários dos fóruns, promotores, defensores públicos, procuradores, técnicos e atendentes da previdência, economistas e todo o pessoal especializado que provê suporte administrativo às distintas áreas.
Considerada a importância dos concursos, é louvável a intenção do atual governo de promover seu aperfeiçoamento, a partir do Projeto de Lei 2.258/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados. Trata-se de substitutivo ao PL 92/2000 do Senado, que agora precisa ratificar a matéria. A incorporação de tecnologia para melhorar os processos de seleção, ampliação da diversidade nos grupos de candidatos e melhor adequação dos conteúdos e focos de conhecimento específicos para cada carreira são avanços relevantes.
Entretanto, outras possibilidades em discussão, a exemplo de entrevistas pessoais e treinamento prático supervisionado como requisitos para admissão, precisam ser mais bem-analisadas. Afinal, são critérios que fogem à objetividade dos exames e submetem os candidatos ao julgamento subjetivo de terceiros. Por mais que se preze pela imparcialidade e proficiência dos profissionais responsáveis por essas etapas suplementares e eliminatórias, é muito difícil garantir imunidade integral a influências e avaliações de caráter pessoal, colocando-se em risco o fundamento basilar do concurso público. Outro ponto questionável encontra-se no Artigo 8º do PL, que prevê a possibilidade de realização de provas on-line. Não acredito que haja qualquer modelo cibernético capaz de assegurar a plena segurança desse processo virtual. O risco de fraudes seria imenso.
O modelo de contratação dos profissionais para a prestação de serviços à sociedade deve ser sempre melhorado e aprimorado, em linha com as transformações socioeconômicas e os avanços tecnológicos e das estruturas laborais. No entanto, é preciso preservar totalmente a integridade, a imparcialidade e a lisura do concurso público, principal fator para que o funcionalismo não trabalhe para governos, mas sim para o povo.
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